quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

MULATO



A origem da palavra "mulato" remonta à língua Macua, já usada muito antes da chegada dos portugueses na África e da colonização dos territórios moçambicanos, especialmente em Cabo Delgado e Niassa, onde se falava (e ainda se fala) o idioma Macua. Antes mesmo da chegada dos portugueses àquela região, os árabes já exploravam, especialmente, Cabo Delgado. Há um termo árabe, muwallad, que significa "mestiço". Contudo, esse termo se referia à conversão de um indivíduo de outra religião ao islamismo. Da relação entre os árabes e o povo Macua, especialmente as mulheres nativas que mantinham relações sexuais com os árabes em troca de tecidos e outros objetos, resultava frequentemente em gravidez; uma gravidez que nem sempre era aceita por alguns grupos familiares. 

Como consequência, a mulher que tivesse relações com um Mmalapo (estrangeiro, estranho à família, ao clã, à povoação, à aldeia) era expulsa do grupo. Há uma infinidade de palavras para designar um estrangeiro: Mulecto, Mutchú, Nawurwa. As crianças nascidas dessas relações entre nativas e estrangeiros eram chamadas de Mulatho. E o termo mulatho era depreciativo. Os mulathos eram considerados filhos de Muttompe (mulher de má vida), ou seja, filhos de prostitutas. Em uma linguagem mais vulgar, seriam chamados de "filho da puta". Algumas palavras na língua Macua, que para nós poderiam ser associadas ao gênero feminino, têm outros sentidos, como, por exemplo, Mulatha. Mulatha não é o feminino de Mulatho, mas sim um local onde se fazem setas ou fechaduras. 

A palavra Mulattu, que foneticamente se assemelha ao nosso "mulato" (no Timor Leste, há uma variação – mulatu – para designar morenos), significa "questão", "causa", "motivo", "demanda", "culpa" ou "ofensa". Já o termo Mulacta tem um sentido depreciativo: "pobre", "miserável", "desgraçado". No Dicionário de Macua – Português (da Sociedade Missionária Portuguesa), a palavra mulatho (grafada assim) é definida como "mulato", "mestiço", "misto". Com o tempo e com a colonização portuguesa nos territórios africanos e no Brasil, a palavra mulato perdeu seu sentido original (filho de prostituta) e passou a assumir uma conotação mais conveniente ao colonizador. Naturalmente, com o aumento da miscigenação, e especialmente com as relações sexuais entre portugueses e mulheres nativas, os portugueses buscaram inverter o significado da palavra para sustentar seu projeto de embranquecimento nas colônias. Assim, a palavra mulato adquiriu o significado que conhecemos hoje: indivíduo astuto, manhoso, "sonso", pardo. 

Porém, não podemos esquecer que a palavra mulato ainda é usada de forma pejorativa em suas extensões aviltantes, que alimentam o preconceito. Entre todos esses termos, uma coisa eles têm em comum: buscam definir o resultado da junção de elementos díspares. A mistura de café com leite gera um novo elemento, e também uma cor análoga, resultado da fusão do branco com o negro. A minha intenção ao escrever este texto é mostrar que muitas coisas que sabemos foram manipuladas com a intenção explícita de organizar e estabelecer as regras do poder vigente. A verdadeira origem das coisas, porém, não é a preocupação dos homens que, com suas bandeiras, ocupam territórios em busca da sobrevivência e do poder. Um exemplo disso é a etimologia da palavra mulato, que em um dicionário é ligada ao espanhol (esp. mulato, 1525, "macho jovem"), por comparação com a geração híbrida do mulato e do mulo (do latim mulus). 

Mas por que a origem do termo mulato está no espanhol? E por que o mulo (burro) é chamado de mulato? Porque o burro é filho do cavalo com a jumenta, e nasce estéril. Mas os mulatos não são estéreis... Portanto, o que importava para os etimologistas da época não era a origem dos nomes, mas sim criar um arranjo linguístico que construísse uma verdade conveniente, alinhada ao projeto de embranquecimento nas colônias. Eu poderia dizer que a palavra mulato é uma combinação da raiz mu (do latim mutus: mudo, sem palavras) e o adjetivo lato (do latim latus: largo, amplo); assim, o termo mulato ficaria como "grande mudez". Mas peço que não me leve a sério.