
A origem da palavra "mulato" remonta à língua Macua, já usada muito antes da
chegada dos portugueses na África e da colonização dos territórios
moçambicanos, especialmente em Cabo Delgado e Niassa, onde se falava (e ainda
se fala) o idioma Macua. Antes mesmo da chegada dos portugueses àquela região,
os árabes já exploravam, especialmente, Cabo Delgado. Há um termo árabe,
muwallad, que significa "mestiço". Contudo, esse termo se referia à conversão
de um indivíduo de outra religião ao islamismo. Da relação entre os árabes e o
povo Macua, especialmente as mulheres nativas que mantinham relações sexuais
com os árabes em troca de tecidos e outros objetos, resultava frequentemente
em gravidez; uma gravidez que nem sempre era aceita por alguns grupos
familiares.
Como consequência, a mulher que tivesse relações com um Mmalapo
(estrangeiro, estranho à família, ao clã, à povoação, à aldeia) era expulsa do
grupo. Há uma infinidade de palavras para designar um estrangeiro: Mulecto,
Mutchú, Nawurwa. As crianças nascidas dessas relações entre nativas e
estrangeiros eram chamadas de Mulatho. E o termo mulatho era depreciativo. Os
mulathos eram considerados filhos de Muttompe (mulher de má vida), ou seja,
filhos de prostitutas. Em uma linguagem mais vulgar, seriam chamados de "filho
da puta". Algumas palavras na língua Macua, que para nós poderiam ser
associadas ao gênero feminino, têm outros sentidos, como, por exemplo,
Mulatha. Mulatha não é o feminino de Mulatho, mas sim um local onde se fazem
setas ou fechaduras.
A palavra Mulattu, que foneticamente se assemelha ao
nosso "mulato" (no Timor Leste, há uma variação – mulatu – para designar
morenos), significa "questão", "causa", "motivo", "demanda", "culpa" ou
"ofensa". Já o termo Mulacta tem um sentido depreciativo: "pobre",
"miserável", "desgraçado". No Dicionário de Macua – Português (da Sociedade
Missionária Portuguesa), a palavra mulatho (grafada assim) é definida como
"mulato", "mestiço", "misto". Com o tempo e com a colonização portuguesa nos
territórios africanos e no Brasil, a palavra mulato perdeu seu sentido
original (filho de prostituta) e passou a assumir uma conotação mais
conveniente ao colonizador. Naturalmente, com o aumento da miscigenação, e
especialmente com as relações sexuais entre portugueses e mulheres nativas, os
portugueses buscaram inverter o significado da palavra para sustentar seu
projeto de embranquecimento nas colônias. Assim, a palavra mulato adquiriu o
significado que conhecemos hoje: indivíduo astuto, manhoso, "sonso", pardo.
Porém, não podemos esquecer que a palavra mulato ainda é usada de forma
pejorativa em suas extensões aviltantes, que alimentam o preconceito. Entre
todos esses termos, uma coisa eles têm em comum: buscam definir o resultado da
junção de elementos díspares. A mistura de café com leite gera um novo
elemento, e também uma cor análoga, resultado da fusão do branco com o negro.
A minha intenção ao escrever este texto é mostrar que muitas coisas que
sabemos foram manipuladas com a intenção explícita de organizar e estabelecer
as regras do poder vigente. A verdadeira origem das coisas, porém, não é a
preocupação dos homens que, com suas bandeiras, ocupam territórios em busca da
sobrevivência e do poder. Um exemplo disso é a etimologia da palavra mulato,
que em um dicionário é ligada ao espanhol (esp. mulato, 1525, "macho jovem"),
por comparação com a geração híbrida do mulato e do mulo (do latim mulus).
Mas por que a origem do termo mulato está no espanhol? E por que o mulo (burro) é chamado de mulato? Porque o burro é filho do cavalo com a jumenta, e nasce estéril. Mas os mulatos não são estéreis... Portanto, o que importava para os etimologistas da época não era a origem dos nomes, mas sim criar um arranjo linguístico que construísse uma verdade conveniente, alinhada ao projeto de embranquecimento nas colônias. Eu poderia dizer que a palavra mulato é uma combinação da raiz mu (do latim mutus: mudo, sem palavras) e o adjetivo lato (do latim latus: largo, amplo); assim, o termo mulato ficaria como "grande mudez". Mas peço que não me leve a sério.