quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

PERFIL OU PERSONALIDADE



Por Adu Verbis 

Agora, tornou-se quase automático o uso da palavra "perfil" para se referir às características de alguém. É comum ouvir que o perfil de fulano é tal, e o perfil de sicrano é assado. Já não se usa mais "personalidade" para designar o modo de ser de uma pessoa. Isso ocorre porque estamos claramente imersos em ambientes corporativos, onde há perfis e não personalidade. Até mesmo dentro da família, o ambiente se tornou corporativo, ou talvez sempre tenha sido assim. Vejamos o que diz o dicionário Houaiss sobre a palavra perfil:

Substantivo masculino:

  1. Delineamento de um rosto visto de lado
  2. Contorno gráfico de uma figura, de um objeto, visto apenas por um dos lados
  3. Linha de contorno de qualquer coisa, apreendida numa visão de conjunto
  4. Descrição de uma pessoa em traços que ressaltam suas características básicas.

Agora, vejamos a etimologia da palavra perfil:
Esp. perfil (1492) 'perfil, adorno sutil e delicado', do prov. ant. perfil 'dobra, prega, bainha', donde 'contorno de um objeto'; ver fi(l)-; f.hist. sXVII perfilo, 1813 profíl, 1858 porfíl.

Vejamos a palavra personalidade:

Substantivo feminino:

  1. Qualidade ou condição de ser uma pessoa
  2. O conjunto de qualidades que define a individualidade de uma pessoa moral
  3. Aspecto visível que compõe o caráter individual e moral de uma pessoa, segundo a percepção alheia
  4. Aquilo que diferencia alguém de todos os demais; qualidade essencial de uma pessoa; identidade pessoal, caráter, originalidade
  5. Aspecto que alguém assume e projeta em público; imagem
  6. Conjunto de características que distingue uma pessoa, um grupo de pessoas, uma nação
  7. Derivação: sentido figurado. Algo que reflete ou é análogo a uma distinta personalidade humana.
  8. Indivíduo notável por sua situação ou atividade social; celebridade
  9. Rubrica: psicologia. Conjunto dos aspectos psíquicos que, tomados como uma unidade, distinguem uma pessoa, especialmente os que se relacionam diretamente com os valores sociais.

Etimologia da palavra personalidade:

Lat. tar. personalìtas,átis 'personalidade', derivado de personális,e 'inerente à pessoa, pessoal', proveniente do francês personnalité (1495) 'aquilo que constitui a pessoa em geral, a posse de si mesma', (1762) 'caráter próprio de uma pessoa em particular', (1867) 'pessoa em vista, notável pela sua situação social, sua atividade'; ver person(i)-; f.hist. 1789 personalidade 'ataque, crítica pessoal', 1873 personalidade 'qualidades que definem a individualidade de alguém'.

Ao analisar a etimologia das duas palavras, percebo que perfil é uma espécie de GPS, que orienta as pessoas por caminhos já escolhidos e autorizados, enquanto personalidade parece mais com um mapa de um mundo desconhecido, não automatizado pela tecnologia corporativa. A diferença entre perfil, tão usado atualmente, e personalidade, que sempre foi empregado com certa reticência, me parece ser de ordem postural. O perfil é um recurso resiliente dos indivíduos nos meios corporativos, já a personalidade expõe, muitas vezes, as contradições do indivíduo.


sábado, 31 de outubro de 2009

LAUTREÁMONT - CANTO PRIMEIRO



“Queria eu que o leitor, tornado audaz e momentaneamente feroz, à semelhança do que lê, encontre, sem se desorientar, o seu caminho abrupto e selvagem através dos lodaçais desolados destas páginas sombrias e cheias de veneno; pois, a não ser que utilize na sua leitura uma lógica rigorosa e uma tensão de espírito, pelo menos igual à sua desconfiança, as emanações mortais deste livro irão embeber-lhe a alma, como a água ao açúcar.” Este é um pequeno trecho do livro Cantos de Maldoror, de Isidore Ducasse, ou seja, Lautréamont, um dos escritores mais instigantes de todos os tempos. Um livro obrigatório para quem pensa em atravessar o pântano da literatura ou simplesmente viver a experiência da leitura; pois, este livro pode abrir os sentidos para uma verdadeira obra literária.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

PINA BAUSCH 1940 + 2009

O corpo para Pina Bausch era um fragmento de um momento ainda por vir.Uma matéria que flutuava num mundo onde a gravidade era pura poesia.O corpo para Pina Bausch era a lembrança dos primeiros gestos da protovida no planeta terra.

domingo, 28 de junho de 2009

O PARADOXO DA INTIMIDADE E O BANHEIRO



O banheiro é um lugar íntimo por natureza, essa regra vale para as pessoas mais íntimas ao nosso cotidiano. Seja filho, ou a esposa. Usar o banheiro com outra pessoa nem sempre é confortável. Isso porque a intimidade acaba sendo um espelho de uma interioridade inacabada e insegura, onde não a revelamos justamente por estar num processo de adequação. A nossa intimidade é um rascunho justamente por ser algo que está em constante refazer-se e em conflito com a noção do que é íntimo e o que não o é. O conflito se dá porque aqueles com quem dividimos o nosso íntimo farão de forma subconsciente um julgamento da nossa intimidade, sobre o ponto de vista da própria noção que eles venham a tem do que é intimo ou não.

A intimidade é uma obscura referência do ego em busca de algo atingível, e por isso deixa a todos constrangidos pela incapacidade de dar à sua intimidade um acabamento que possa ser visto como algo perfeito. Talvez Narciso, ao deslumbrar o próprio reflexo, tenha sentido o impacto da inexatidão de sua interioridade. E contemplar a própria imagem era uma forma de aperfeiçoar a própria interioridade, dando-lhe uma intimidade que só ele era capaz de viver.

Um banheiro sem espelho não reflete a ecologia do ego, não reflete a intimidade do ego, já que ao entrar num banheiro buscamos uma intimidade. Quando entramos em um banheiro onde não há um espelho, temos a sensação que não existimos. E, se existimos, essa existência é por demais obscura (s), por não ser refletida, já que o banheiro dá uma conotação que estamos em contato com a nossa intimidade. E essa intimidade é uma propriedade do ego.

Preservar a própria intimidade tem a conotação de uma boa saúde mental. Quando entramos num manicômio, percebemos que os doentes mentais não têm o menor pudor da própria intimidade. Nós é que ficamos constrangidos com a falta de pudor dos doentes mentais. Temos medo da forma como os loucos lidam com a própria intimidade. Na verdade, não existe uma intimidade, propriamente dita, para o louco. O louco é despido de uma intimidade. Arrisco em dizer que Narciso era um doente mental que buscava uma autocura. Um doente mental que tinha consciência do constrangimento que a sua intimidade lhe causava.

Atualmente as pessoas expõem suas intimidades a qualquer preço. E com isso podemos pensar (pelo menos eu) que vivemos num momento de extrema loucura. Mas há uma diferença entre as pessoas que põem a própria intimidade à venda , e os loucos no manicômio com a sua falta de pudor simbólico? Pois eu juro que não sei. A consciência simbólica confere àqueles, que a tenham, a noção de decência, o direito de ser dono da própria intimidade. Por mais que a decência tenha um valor moral, em termos de boa conduta ética, na verdade, a decência é um bem, uma morada que preserva a intimidade.

O que significa isso: significa que a intimidade tem o mesmo valor que uma propriedade. Em termos atuais, onde a intimidade tem um valor de mercado enquanto uma propriedade, vender a intimidade pode significar desespero, ou uma forma de loucura. O desespero no qual Narciso vivia, era o desespero por não ser proprietário da própria intimidade. A noção de intimidade de Narciso o sucumbia diante da impossibilidade dele se apropriar da auto-imagem. Posso aqui inventar, um pouquinho, e dizer que Narciso vivia boa parte de seu tempo dentro de um banheiro. Um banheiro com espelho, claro. O que fazia com que ele tivesse contato com uma intimidade por vir, por inventar, uma intimidade em constantemente retoque.

Há uma grande diferença em está nu, e expor a própria intimidade. Estar nu, é ainda não ter constituído para si uma pele civilizada, é não ter um aperfeiçoamento ético. Isso não quer dizer que os índios vivem sem uma pele civilizatória. Os índios nunca viveram nus porque viveram e vivem num processo cultural. A cultura é uma pele.
A pele civilizatória, que cobre a nudez animal se dá num momento em que o ser humano percebeu que, além da sua nudez, havia algo que o deixava desconfortável. E esse algo, é a noção de incapacidade de se a apropriação de si mesmo.

É nesse algo íntimo, que o ego busca conter para si mesmo, que está a intimidade. É desse algo, intuído, que se encontra a forma como cada ser humano expõe e reconhece a própria intimidade. Quando entramos no banheiro, é uma forma de nos apropriarmos da nossa intimidade. O banheiro é uma parte da ecologia da casa que, talvez, seja onde guardamos, ou onde encontramos, ou reencontramos a nossa intimidade. Um banheiro sem espelho é um eco sistema destruído, sem referencial. Um ego sem intimidade enlouquece. Mas também, um ego que mergulha na escuridão da própria intimidade, enlouquece. E o paradoxo é saber se esse íntimo está fora ou dentro da gente, e se essa intimidade é feita de nuances esquizóides.

REVISÃO DE TEXTO: Joyce Diehl

quinta-feira, 11 de junho de 2009

OS FALOS



Que Touro Perverso
Estuprou
O Macho Toureiro
Inculta Vaidade
Beijos Melados
Na Pele Sangrenta
Que Touro Perverso
Estuprou
O Macho Toureiro.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

CHEGA DE CLICHÊS



Por Adu Verbis

Não estou aqui impondo conceitos contra as mulheres, ou contra seus direitos, ou contra o fato de as mulheres se reinventarem enquanto seres humanos; mas alertando para o fato de que não devemos criar uma nova ditadura, uma ditadura feminina, assim como vivíamos com a ditadura do masculino, onde o homem era isso, o homem é aquilo, e o homem tudo podia. Não podemos criar valores fantasiosos em relação às mulheres. Que as mulheres tiveram, e têm, um papel importante na história humana, isso é inegável. O mundo contemporâneo, para corrigir a pendência sociocultural com as mulheres, passou a criar termos de fácil assimilação, que projetam na mulher um valor exagerado, o que acaba se transformando em rótulos e clichês que não contribuem para o real empoderamento feminino. 

Eu não vejo sentido em algumas teorias que surgem como se fossem verdades absolutas, colocando as mulheres acima dos homens, da mesma forma que certos conceitos criados no passado colocaram os homens acima das mulheres. Na vida real, fora dos conceitos idealizados, não podemos afirmar que a mulher é mais sensível, que a mulher no governo fará tudo ser diferente, que a mulher no poder acabará com a fome, a guerra e que o mundo será melhor. Que aquilo que a mulher é e faz é mais importante do que as coisas dos homens.

É comum ouvir de psicólogos, psicanalistas e outros pensadores que, sem a mulher, a humanidade ainda estaria na Idade da Pedra. Porém, as coisas não são bem assim. A contribuição da mulher para o desenvolvimento humano é de valor estimável, e não inestimável; a contribuição das mulheres para o desenvolvimento cultural da humanidade não está acima do que o homem pode oferecer, desde que ele se desconstrua de suas ideias errôneas.

Não podemos esquecer que a vida é feita de detalhes, e esses detalhes são apreendidos tanto por homens quanto por mulheres. Principalmente agora, em uma sociedade que oscila entre valores irrecíprocos, é o momento de descartarmos aquilo que realmente não serve à humanidade. Não é por meio de rótulos e clichês que chegaremos à essência da mulher. Não é incentivando uma ditadura de comportamentos que encontraremos verdades. Mas, se lutarmos contra a violência contra a mulher e pela igualdade, já estaremos fazendo muito de maneira direta, sem clichês que não ajudam em nada.

segunda-feira, 30 de março de 2009

QUAL O TAMANHO DA FOME HUMANA?





É consenso pensar que, no reino animal, não se mata, mas se caça uma presa para se alimentar. A presa não está sendo morta; ela está sob as regras da Natureza. O animal está obedecendo ao processo natural de sobrevivência. A presa, que foi devorada pelo instinto de sobrevivência de uma espécie, se transformará em substratos que alimentarão as cadeias naturais e seus processos, fechando assim um ciclo natural. A fome dos animais, perto da fome humana, é ínfima. Um animal selvagem e irracional pode passar dias sem se alimentar, já o animal racional e civilizado não aguenta vinte e quatro horas sem comida. 

Pois, será que ele não fica sem se alimentar porque tem fome, ou porque a sua condição de ser racional está acima das outras espécies? A fome humana não se limita a um instinto de sobrevivência. A fome humana tem dimensões psicológicas e instintivas, que vão além das leis da sobrevivência. Quando o homem está matando uma foca indefesa, ele está matando a própria fome, independentemente da função que o homem venha a dar à foca; a foca morta estará saciando a fome do homem. Porque toda atividade humana tem como objetivo matar a própria fome. Criar beleza é matar a própria fome por beleza. Criar leis é matar a própria fome por poder, e, às vezes, essas leis operam também em prol de justiça. Criar riqueza é matar a própria fome por bens materiais. Criar religiões é matar a própria fome por fé.

Portanto, essa carência humana precisa ser monitorada constantemente, para que o ser humano não devore uns aos outros de forma irracional. Se há, de fato, um instinto que regula as necessidades dos seres vivos na Terra, o instinto humano é um dos mais dúbios. O tênue limite entre racionalidade e irracionalidade confere ao ser humano a qualidade de uma espécie mais forte, e, como espécie mais forte, precisa se alimentar para se manter no topo da hierarquia; porém, a fome humana é ilimitada. Talvez a fome humana tenha uma função na cadeia natural. A Natureza não é um núcleo acabado, mas sim um processo em curso e decurso.

terça-feira, 24 de março de 2009

KAIRO - DE KIYOSHI KUROSAWA

Depois de ficar um bom tempo sem escutar música, agora estou há um bom tempo sem ir ao cinema. Entretanto, não deixei de ver os trailers dos filmes. As razões que me levaram a ficar sem escutar música e a deixar de ir ao cinema são claras para mim; porém, permanecerão em silêncio. Não sou do tipo que acha que tudo tem um motivo e, por isso, merece uma teoria; não quero falar sobre as razões que me afastaram temporariamente da música e agora das salas de cinema. Apesar de ser um bom tema, não tenho a menor intenção de me estender sobre ele, nem de escrever a respeito. Portanto, deixo o filme Kairo, do diretor Kiyoshi Kurosawa.