


É consenso pensar que, no reino animal, não se mata, mas se caça uma presa para se alimentar. A presa não está sendo morta; ela está sob as regras da Natureza. O animal está obedecendo ao processo natural de sobrevivência. A presa, que foi devorada pelo instinto de sobrevivência de uma espécie, se transformará em substratos que alimentarão as cadeias naturais e seus processos, fechando assim um ciclo natural. A fome dos animais, perto da fome humana, é ínfima. Um animal selvagem e irracional pode passar dias sem se alimentar, já o animal racional e civilizado não aguenta vinte e quatro horas sem comida.
Pois, será que ele não fica sem se alimentar porque tem fome, ou porque a sua condição de ser racional está acima das outras espécies?
A fome humana não se limita a um instinto de sobrevivência. A fome humana tem dimensões psicológicas e instintivas, que vão além das leis da sobrevivência. Quando o homem está matando uma foca indefesa, ele está matando a própria fome, independentemente da função que o homem venha a dar à foca; a foca morta estará saciando a fome do homem. Porque toda atividade humana tem como objetivo matar a própria fome. Criar beleza é matar a própria fome por beleza. Criar leis é matar a própria fome por poder, e, às vezes, essas leis operam também em prol de justiça. Criar riqueza é matar a própria fome por bens materiais. Criar religiões é matar a própria fome por fé.
Portanto, essa carência humana precisa ser monitorada constantemente, para que o ser humano não devore uns aos outros de forma irracional. Se há, de fato, um instinto que regula as necessidades dos seres vivos na Terra, o instinto humano é um dos mais dúbios. O tênue limite entre racionalidade e irracionalidade confere ao ser humano a qualidade de uma espécie mais forte, e, como espécie mais forte, precisa se alimentar para se manter no topo da hierarquia; porém, a fome humana é ilimitada. Talvez a fome humana tenha uma função na cadeia natural. A Natureza não é um núcleo acabado, mas sim um processo em curso e decurso.