Durante um bom tempo, ser freelancer foi sinônimo de liberdade. E, nessa liberdade, havia um quê de glamourização. Ser freelancer era aquele profissional sem chefe, com a pasta de trabalho debaixo do braço e a agenda florida de contatos de trabalhos. Parecia encarnar o futuro do trabalho: autônomo, criativo, dono do próprio nariz. Foi especialmente nas décadas de 1980 e 1990 que a figura do freelancer ganhou certo glamour, principalmente em áreas como jornalismo, design gráfico, artes plásticas, publicidade e outros tantos setores de profissionais liberais das classes média e alta.
Naquele período, como todos sabem, a tecnologia engatinhava. Laptops não existiam, a internet estava longe de ser uma realidade e a inteligência artificial sequer aparecia para mascarar deficiências profissionais ou aprimorar competências.
O termo freelancer tem um certo charme. No entanto, talvez seja mais antigo do que o conceito de liberdade. Apareceu no século XIX, na literatura inglesa, no romance Ivanhoe (1819), de Sir Walter Scott, que descreve mercenários medievais como freelancers (guerreiros). Esses mercenários ofereciam suas lanças a quem pagasse. Eram os chamados lanceiros livres. Ou seja, pessoas sem lealdade fixa, mas especialistas em lanças, que vendiam sua força de trabalho de forma independente. Eram conhecidos como livres, isentos de servidão, e assim faziam uns trocados para tocar a vida como guerreiros.
Já nos séculos XX e XXI, o termo freelancer ganhou ar de modernidade e passou a designar profissionais liberais que atuam por conta própria, sem vínculo empregatício. Os sentidos de guerreiro, livre e isento de servidão foram reinsignificados. Mas não posso deixar de falar do modelo assalariado. Como conhecemos hoje, ele ganhou força com a Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX. Foi quando o trabalhador passou a vender seu tempo em troca de um salário, submetendo-se a horários fixos e estruturas hierárquicas severas. Ainda assim, o freelancer, mesmo como guerreiro, sempre transitou à margem desse sistema, equilibrando liberdade, vulnerabilidade e as incertezas de mercado.
Hoje, o glamour do freelancer parece ter diminuído. Ele continua existindo, mas o termo e a imagem se diluíram. Muitos profissionais atuam como freelancers, mas se apresentam como consultores, criadores de conteúdo, autônomos, parceiros ou prestadores de serviços. Poucos usam o termo freelancer como antes. E, enquanto isso, o trabalhador assalariado ganhou o título de colaborador, mas sua carga horária continua alta.
Ainda há o conceito de pejotização. O termo lembra “pejorativo”, que vem do latim pejorare (tornar pior), mas aqui se refere à famosa PJ, em que trabalhadores são cada vez mais contratados como pessoas jurídicas. Ou seja, uma nova forma ou categoria de freelancer.
Os freelancers, hoje, ocupam coworkings (espaços compartilhados de trabalho, onde diferentes profissionais e empresas dividem a mesma estrutura), trabalham em casa ou alugam salas por hora. Tudo isso para tentar manter uma rotina produtiva em tempos em que os conceitos de empreendedor e pejotização parecem substituir ou reinsignificar a ideia de trabalhador freelancer.
Com o passar do tempo, o empreendedor contemporâneo surge como um freelancer que vende ideias. Quer criar uma marca, lançar um produto, escalar um serviço, representar uma empresa ou até mesmo comprar uma moto, alugar um camelo e passar o dia fazendo entregas ou transportando pessoas. Muitas vezes, o empreendedor nem atua dentro da própria área de formação, quando a possui. É comum encontrar profissionais com diploma vendendo cosméticos, advogados tocando lojas virtuais ou franquias e professores qualificados que se tornam youtubers. Da mesma forma, existem trabalhadores de limpeza que são pejotizados, terceirizados com CLT ou sem CLT.
Alguns empreendedores têm diploma na área em que atuam, mas muitos buscam oportunidades fora da formação técnica, guiados pela intuição e pela demanda do mercado. Afinal, o mercado é o senhor que promete que nada faltará.
O freelancer clássico – profissionais liberais das classes média e alta, nesse cenário, ainda se apoia em uma profissão, em sua formação. O empreendedor aposta mais na reinvenção e nas oportunidades que o mercado oferece. Em comum, ambos buscam autonomia em um ambiente cada vez mais dominado por Big Techs, startups e fintechs.
Tanto freelancers quanto empreendedores oscilam entre os riscos das ondas do mercado e uma economia que, paradoxalmente, busca se desvincular do Estado enquanto se concentra em grandes grupos econômicos que ditam o que se deve fazer e o que é certo. Caso o trabalhador não siga a bíblia do mercado, escrita pelos grandes grupos econômicos, pode ficar fora dos segmentos mais especializados ou ter que se virar para garantir o próprio sustento em outras áreas.
Portanto, pensar o futuro do freelancer, do empreendedor e do pejotizado exige reconhecer que eles se dividem, por assim dizer, em castas: alguns mais seguros em seus trabalhos e negócios, e outros mais vulneráveis à própria lei do mercado.
Voltando ao termo freelancer, que sempre me encantou. Há diferença entre freelancer, empreendedor e pejotizado, mas também há pontos de encontro: a ideia de ser dono do próprio tempo, de vender sua hora segundo suas próprias percepções de mundo, e a idealizada liberdade junto com o desafio de sobreviver com dignidade em um mundo líquido, em constante reinvenção. Mas talvez o pejotizado seja o mais prejudicado na seara trabalhista.
Contudo, as reinvenções nem sempre trazem benefícios para todos. E, como gosto de falar para minhas paredes e quando dou bom dia aos cavalos: as ações da sociedade não geram equilíbrio. Mas será que, em algum momento da humanidade, a sociedade vai agir para gerar equilíbrio? Não sei e acho pouco provável.