domingo, 28 de junho de 2009

O PARADOXO DA INTIMIDADE E O BANHEIRO



O banheiro é um lugar íntimo por natureza, essa regra vale para as pessoas mais íntimas ao nosso cotidiano. Seja filho, ou a esposa. Usar o banheiro com outra pessoa nem sempre é confortável. Isso porque a intimidade acaba sendo um espelho de uma interioridade inacabada e insegura, onde não a revelamos justamente por estar num processo de adequação. A nossa intimidade é um rascunho justamente por ser algo que está em constante refazer-se e em conflito com a noção do que é íntimo e o que não o é. O conflito se dá porque aqueles com quem dividimos o nosso íntimo farão de forma subconsciente um julgamento da nossa intimidade, sobre o ponto de vista da própria noção que eles venham a tem do que é intimo ou não.

A intimidade é uma obscura referência do ego em busca de algo atingível, e por isso deixa a todos constrangidos pela incapacidade de dar à sua intimidade um acabamento que possa ser visto como algo perfeito. Talvez Narciso, ao deslumbrar o próprio reflexo, tenha sentido o impacto da inexatidão de sua interioridade. E contemplar a própria imagem era uma forma de aperfeiçoar a própria interioridade, dando-lhe uma intimidade que só ele era capaz de viver.

Um banheiro sem espelho não reflete a ecologia do ego, não reflete a intimidade do ego, já que ao entrar num banheiro buscamos uma intimidade. Quando entramos em um banheiro onde não há um espelho, temos a sensação que não existimos. E, se existimos, essa existência é por demais obscura (s), por não ser refletida, já que o banheiro dá uma conotação que estamos em contato com a nossa intimidade. E essa intimidade é uma propriedade do ego.

Preservar a própria intimidade tem a conotação de uma boa saúde mental. Quando entramos num manicômio, percebemos que os doentes mentais não têm o menor pudor da própria intimidade. Nós é que ficamos constrangidos com a falta de pudor dos doentes mentais. Temos medo da forma como os loucos lidam com a própria intimidade. Na verdade, não existe uma intimidade, propriamente dita, para o louco. O louco é despido de uma intimidade. Arrisco em dizer que Narciso era um doente mental que buscava uma autocura. Um doente mental que tinha consciência do constrangimento que a sua intimidade lhe causava.

Atualmente as pessoas expõem suas intimidades a qualquer preço. E com isso podemos pensar (pelo menos eu) que vivemos num momento de extrema loucura. Mas há uma diferença entre as pessoas que põem a própria intimidade à venda , e os loucos no manicômio com a sua falta de pudor simbólico? Pois eu juro que não sei. A consciência simbólica confere àqueles, que a tenham, a noção de decência, o direito de ser dono da própria intimidade. Por mais que a decência tenha um valor moral, em termos de boa conduta ética, na verdade, a decência é um bem, uma morada que preserva a intimidade.

O que significa isso: significa que a intimidade tem o mesmo valor que uma propriedade. Em termos atuais, onde a intimidade tem um valor de mercado enquanto uma propriedade, vender a intimidade pode significar desespero, ou uma forma de loucura. O desespero no qual Narciso vivia, era o desespero por não ser proprietário da própria intimidade. A noção de intimidade de Narciso o sucumbia diante da impossibilidade dele se apropriar da auto-imagem. Posso aqui inventar, um pouquinho, e dizer que Narciso vivia boa parte de seu tempo dentro de um banheiro. Um banheiro com espelho, claro. O que fazia com que ele tivesse contato com uma intimidade por vir, por inventar, uma intimidade em constantemente retoque.

Há uma grande diferença em está nu, e expor a própria intimidade. Estar nu, é ainda não ter constituído para si uma pele civilizada, é não ter um aperfeiçoamento ético. Isso não quer dizer que os índios vivem sem uma pele civilizatória. Os índios nunca viveram nus porque viveram e vivem num processo cultural. A cultura é uma pele.
A pele civilizatória, que cobre a nudez animal se dá num momento em que o ser humano percebeu que, além da sua nudez, havia algo que o deixava desconfortável. E esse algo, é a noção de incapacidade de se a apropriação de si mesmo.

É nesse algo íntimo, que o ego busca conter para si mesmo, que está a intimidade. É desse algo, intuído, que se encontra a forma como cada ser humano expõe e reconhece a própria intimidade. Quando entramos no banheiro, é uma forma de nos apropriarmos da nossa intimidade. O banheiro é uma parte da ecologia da casa que, talvez, seja onde guardamos, ou onde encontramos, ou reencontramos a nossa intimidade. Um banheiro sem espelho é um eco sistema destruído, sem referencial. Um ego sem intimidade enlouquece. Mas também, um ego que mergulha na escuridão da própria intimidade, enlouquece. E o paradoxo é saber se esse íntimo está fora ou dentro da gente, e se essa intimidade é feita de nuances esquizóides.

REVISÃO DE TEXTO: Joyce Diehl

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