terça-feira, 1 de julho de 2025

Uma análise estrutural e temática do Poema {121} do livro Inutensílio: Poemas sem Préstimos



Por Adu Verbis


Poema {121}

Talvez todo poeta esteja diante de uma falésia,
Ou sofra de criptomnésia que beira a amnésia.
Quando os sentidos se avizinham em vis-à-vis,
Reduplica as prosas e as tramas num déjà-vu.

A dor, fosfórea e ácida, da confabulação da alma,
Chamas ao redor do corpo, que é pura flama.
Refiz o oco caminho feito de brasa e trava;
Por fim, me desvencilhei da figueira-brava.*

Talvez todo poeta esteja à beira,
À beira de uma falésia,
À beira de um abismo que não tem nome,
À beira de um eco que nunca termina.

Talvez todo poeta repita,
Repita os passos de outros homens,
Repita as palavras de outros séculos,
Sem saber, sem lembrar,
Sem distinguir entre sonho e vigília,
Entre memória e invenção.

E os sentidos colidem,
Face a face,
Espelho contra espelho,
Multiplicando prosas,
Tingindo as tramas de um tempo gasto,
De um tempo sem tempo.

A dor é fosfórica, ácida,
É uma chama fria ao redor do corpo,
Corpo que arde sem queimar,
Corpo de cinza que ainda insiste em ser flama.

Refiz o caminho,
O mesmo caminho,
Oco, ardente,
Pé sobre brasa,
Mão sobre trava,
Voz sobre silêncio.

E ao fim,
Sob a figueira-brava,
Onde tudo termina,
E tudo começa,
Eu me desvencilhei.
Ou pensei que me desvencilhei.
Ou sonhei que me desvencilhei.

E ao fim…
Ao fim,
Me desvencilhei da figueira-brava.

Ao revisitar o Poema {121}, que escrevi inspirado em Os Homens Ocos, de T. S. Eliot (na tradução de Ivan Junqueira, 1925), percebo como ele se estrutura em dois momentos bem definidos, ainda que fluam um para o outro com naturalidade. Nas duas primeiras estrofes, concentro um núcleo de ideias densas, quase um extrato filosófico – uma reflexão carregada de filosofia e metapoética. É nesse ponto que o eu-lírico se posiciona diante de uma “falésia”, símbolo do limite e do risco existencial, onde aflora a dúvida sobre a originalidade poética, sobretudo com a sensação inquietante da criptomnésia – a repetição inconsciente do que já foi dito por outros.

Essa jornada do eu-lírico, atravessando o caminho marcado pela travessia sobre brasas e pela figueira-brava, simboliza para mim a luta interna, a tentativa de transformação e superação. E, ao final, a dúvida permanece: “Ou pensei que me desvencilhei / Ou sonhei que me desvencilhei”. Essa ambiguidade traduz a incerteza existencial que permeia a criação, não se sabe se houve uma libertação verdadeira ou apenas uma impressão fugaz dela.

O diálogo com Eliot está presente em todo o poema, mas não como mera imitação. Retomo a temática do vazio criativo, a repetição e os ecos do passado, assim como a sensação de ciclo e fragmentação que marcam Os Homens Ocos. Porém, busquei atualizar essas questões para o contexto da crise criativa contemporânea, colocando meu eu-lírico como alguém que se questiona profundamente dentro da tradição poética que o antecede.

Não vejo a repetição no poema como um vício estilístico, mas como um recurso essencial para construir a memória e o eco poético que o poema aborda. Ao reiterar palavras, frases e imagens, tento recriar a sensação de déjà-vu e criptomnésia, essa dificuldade de separar o original do ressignificado. A repetição performa o próprio conteúdo, atravessando o tempo e interferindo no processo criativo, numa relação direta com a tradição modernista e com o próprio Eliot, para quem a repetição é fundamental na construção da memória cultural e da experiência fragmentada da modernidade.

Para mim, o poema {121} é, acima de tudo, uma tentativa de articular o conceito e a imagem, o intelecto e a emoção, a teoria e a experiência vivida. A opção por condensar o tema nas duas primeiras estrofes para depois expandi-lo deu ao poema uma estrutura orgânica, que conversa tanto com a reflexão quanto com a vivência da angústia da criação. É um diálogo que continuo, entre o vazio e a chama, entre a dúvida e o sonho, entre o que foi e o que ainda pode ser dito; e assim manter o diálogo entre vazio e chama, dúvida e sonho, passado e presente, e mantenho aberto, sem respostas definitivas, mas sempre vivo.


O Poema {121} tem como base o poema “Os Homens Ocos" ( figueira-brava), de T.S.Eliot – tradução de IvanJunqueira, 1925.

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