Que tal uma viagem no tempo? Vamos voltar a uma terra antiga, envolta em sol, areia e memória, mitologia e fatos históricos: Canaã. Entre colinas e mares, quero falar de uma cidade que é quase uma testemunha viva da história: Yapu, a antiga Yapu cananeia.
Poderíamos ir para Jericó, mais velha, a lendária Cidade da Lua, centro de culto e mistério desde os tempos dos cananeus e dos primeiros povos semitas, muitos séculos antes dos israelitas. Mas, apesar da antiguidade de Jericó, foi Yapu quem assumiu um papel maior: um porto que pulsava com o movimento dos povos, das rotas e das marés, com seu leva e traz constante, onde o levante do sol iluminava caminhos dos que chegavam e dos que partiam.
Imagine: um porto cananeu por onde passaram egípcios, fenícios, filisteus e persa, e hoje os israelenses têm o domínio. Um lugar que viu culturas se encontrarem e se misturarem, como ondas eternas sobre a mesma costa. Yapu é mais que uma cidade: é uma janela para compreender Canaã não como um mito, mas como um espaço geográfico real, que geneticamente deu origem a povos, um espaço vivo e conectado com o mundo antigo.
Canaã foi apagada do mapa geopolítico moderno, mas sobrevive no tempo simbólico e espiritual. Portanto, Canaã permanece como uma sombra metafísica, um eco de civilizações, uma lembrança de que os nomes podem ser esquecidos, mas as terras continuam a guardar as sementes históricas que as moldaram e que moldaram o mundo.
Se a gente olhar para Yapu entre o final da Idade do Bronze e o início da Idade do Ferro, lá por volta de 1300 a 900 a.C., vamos nos encantar e perceber que o Levante vivia um verdadeiro turbilhão. As grandes potências do Mediterrâneo oriental: Egito, Micenas, Hititas, estavam a desmoronar, redes de comércio antigas ruíram, o pó se dissolveu no ar, e povos começaram a se mover no interior desse turbilhão.
Nesse cenário, Canaã virou um mosaico de influências, com cidades-estado tentando sobreviver às novas forças e regras que surgiam. Yapu estava bem no meio disso tudo: entre o mar e as montanhas, servindo de porto e ponto de encontro, de reduto, de elo estratégico que sustentava cada nova força política que desejava controlar a região, porque a ânsia de domínio movia montanhas.
Portanto, durante a Idade do Bronze Médio e Tardio, Yapu era uma cidade-estado cananeia próspera, conectada ao comércio do Egito e da Síria. Ela aparece em textos egípcios e acádicos como Yapu, e até nas famosas Cartas de Amarna (um conjunto de tabletes de argila escritos em cuneiforme acádio, descobertos na cidade de Amarna) trocadas com o faraó Amenhotep III, que descrevia Yapu em superlativo.
O Egito controlava Canaã de forma indireta, mas Yapu, com seu porto natural, era essencial para o comércio e para campanhas militares. No texto chamado A Tomada de Yapu, que muitos consideram ficção, é relatada a reconquista da cidade por Tutmés III, mostrando a importância estratégica de Yapu e a resistência local contra o poder do antigo Egito. E no rastro das vivências humanas, os vestígios arqueológicos confirmam histórias moldadas por mãos e intenções: templos erguidos em honra a Baal e Astarte, fragmentos de cerâmica vermelha e antigas fortificações urbanas revelam como religião e comércio se entrelaçavam e davam significado à região.
Com o colapso do mundo do Bronze, os filisteus, que, segundo alguns historiadores, vieram do Egeu e se estabeleceram na planície costeira. Eu, no entanto, sigo a tese de que os filisteus refletem o intercâmbio genético de povos que formaram uma nova identidade regional em Canaã, e não que simplesmente vieram do Egeu. Até então, não há vestígios de que os filisteus falassem nenhum dialeto egeu ou grego. Nenhum texto, inscrição ou documento encontrado nas cidades filisteias: Ascalom, Ecrom, Asdode, Gate, Gaza, está escrito em grego ou em algum sistema micênico.
E todas as inscrições conhecidas dos filisteus estão em línguas semíticas locais, muito próximas do hebraico e do cananeu, ou em alfabeto fenício, amplamente usado na região. Ou seja, os filisteus eram linguisticamente semitas. Por isso, os Peleset, mencionados nos registros egípcios do Novo Império, correspondem aos povos historicamente conhecidos como filisteus. Nos hieróglifos egípcios, o nome aparece como 𓊪𓍯𓃭𓋴𓏏𓈉, em que os primeiros cinco símbolos representam foneticamente “Peleset” e o último (𓈉) é um determinativo indicando vizinho ou estrangeiro, sem especificar hostilidade ou distância geográfica em relação aos Peleset.
Esse uso mostra que os Peleset não eram estrangeiros no sentido de estranhos, mas vizinhos do Egito, residentes na região litorânea da Palestina histórica, e não vindos do Egeu ou de terras distantes. Penso que é preciso ter cautela ao afirmar que os filisteus eram povos do Mediterrâneo oriental ou do Egeu, pois tais interpretações refletem leituras modernas que, muitas vezes, projetam sobre o passado categorias ideológicas e narrativas externas.
Do ponto de vista egípcio (primeira fonte a mencioná-los sob o nome Peleset), os filisteus aparecem como um grupo regional estabelecido na costa meridional de Canaã, com identidade própria dentro do contexto levantino. Essa identidade, posteriormente associada à “terra dos filisteus” (Philistia), deu origem à designação toponímica que fundamenta a noção histórica de “Palestina”, atestada tanto em registros egípcios quanto em autores clássicos, como Heródoto. Assim, trata-se, portanto, de uma memória territorial (toponímica), e não de uma memória genealógica ou teológica, como a que a tradição bíblica constrói ao apresentar Judá como o ancestral divinamente legitimado de um povo eleito.
O termo Peleset aparece nas inscrições egípcias do reinado de Ramsés III, no século XII a.C., como designação de grupos estabelecidos na costa meridional de Canaã. A distância temporal entre Ramsés III e Heródoto é de aproximadamente sete séculos; ainda assim, Heródoto preserva essa memória ao empregar o termo Palaistínē para se referir ao mesmo território. Essa continuidade nominal evidencia uma tradição toponímica duradoura: uma lembrança geográfica, e não étnica, que atravessou os impérios e sobreviveu mesmo ao desaparecimento da identidade cultural filisteia.
A distância temporal entre Ramsés III e Saul é de cerca de um século; entre Ramsés III e Davi, de aproximadamente 145 anos; e entre Ramsés III e Salomão, de cerca de 180 anos. Já entre Heródoto e Saul há um intervalo de cerca de 566 anos; entre Heródoto e Davi, de 526 anos; e entre Heródoto e Salomão, de 486 anos. Assim, a diferença de sete séculos entre Ramsés III e Heródoto é maior do que a distância temporal entre Heródoto e os primeiros reis de Israel, o que evidencia o alcance historiográfico e a ética intelectual do autor grego ao preservar, ainda no século V a.C., ecos da tradição egípcia registrada nas inscrições do reinado de Ramsés III.
Acho importante salientar a enorme distância temporal entre os reinados de Saul, Davi e Salomão e o surgimento do sionismo moderno, isso porque clareia a linha de tempo da história e o tempo bíblico. Esses reis bíblicos viveram cerca de 28 a 29 séculos antes do movimento sionista. Podemos estimar um intervalo de cerca de 2.828 anos entre o fim do reinado de Salomão (c. 930 a.C.) e o início do sionismo moderno (1897 d.C.). Ou seja, Ramsés III se refere a um grupo de povos litorâneos que ensaiou invadir o Egito muito antes de Saul, Davi e Salomão. Assim como Ramsés mencionou os filisteus, os hebreus/israelitas também os chamavam de Pəlishtî (פְּלִשְׁתִּי), nome provavelmente derivado do termo egípcio Peleset.
Mas a maré subiu e desceu, e Yapu também teve sob influência dos filisteus, mesmo sem fazer parte da famosa Pentápole Filisteia – o conjunto das cinco cidades principais dos filisteus na costa de Canaã: Gaza, Ascalom, Asdode, Ecrom e Gate. Essas cidades funcionavam como centros políticos, militares e econômicos do povo filisteu, que organizava a região costeira. O Egito, apesar das transformações que passava, não tirava os olhos da Pentápole Filisteia.
Embora Yapu estivesse na área de influência dos filisteus, mas não fazia parte da Pentápole, e exercia grande importância como porto e era uma cidade multiétnica, onde conviviam cananeus, filisteus, comerciantes egípcios e outros povos do Mediterrâneo. A cidade recebia influência política e cultural dos povos presentes e, naturalmente, dos filisteus, sem estar totalmente subordinada a eles. Arqueólogos identificaram e definiram essa fase como Filisteu Yapu III. Durante cerca de dois séculos, Yapu prosperou sob os filisteus, mantendo laços com Chipre, Egito e Síria, mas também sofreu destituições periódicas, sinais de conflitos regionais.
No transcurso do Bronze Tardio, o Egito dominava Canaã de forma indireta, mantendo o controle por meio de cidades-estado vassalas, enquanto essas cidades conservavam certa autonomia. No entanto, não há registros de uma entidade política israelita com atividade intensa nesse período. Isso não significa que os hebreus/israelitas não existissem, mas sim que ainda não haviam se consolidado como grupo político reconhecido; gradualmente, eles se formavam nas regiões montanhosas centrais de Canaã.
Segundo o relato bíblico, o surgimento do reinado de Saul marca a organização das tribos israelitas. Esse período ocorre quando o Egito já não era mais a grande potência militar dominante em Canaã, cerca de 120 anos após o reinado de Ramsés III. Mesmo durante o reinado de Saul (c. 1047–1007 a.C.), no Egito pós-Novo Império, muitas regiões do Levante não eram mais fortemente controladas pelos egípcios. Isso talvez explique por que os israelitas organizados puderam emergir politicamente sem grande oposição egípcia direta, e assim lutar por espaço com os filisteus e outras etnias na região de Canaã.
Outro ponto interessante é que a Bíblia fala muito sobre o Egito, mas o Egito praticamente não menciona a Bíblia, Israel ou os hebreus. A Bíblia vê o Egito como elemento central da história de Israel, como palco e metáfora espiritual na construção da identidade dos hebreus, formando a base da criação do sujeito coletivo na narrativa bíblica. No entanto, nenhum texto egípcio menciona Moisés, José, Êxodo ou a escravidão hebraica. Ao longo do tempo, os hebreus existiram como tribos nômades ou aldeias dispersas no interior de Canaã e experienciaram uma diáspora espiritual: uma dispersão existencial e identitária que encontra origem na própria experiência nômade das tribos hebraicas.
Os israelitas não eram um reino consolidado nem um poder político ou militar relevante para que o Egito se preocupasse ou se interessasse em registrar os passos de Saul, Davi e Salomão. Por isso, não aparecem nos registros oficiais egípcios; sua existência era conhecida apenas localmente, dentro das próprias tribos, pelos vizinhos próximos e por meio da história paralela construída pelos hebreus em sua jornada, que conhecemos hoje como Antigo e Novo Testamento. Portanto, se retirarmos os contextos religioso e bíblico, os Peleset tinham mais controle efetivo e direito histórico à terra de Canaã e à região de Yapu, simplesmente porque estavam concretamente estabelecidos e organizados em Canaã muito antes dos israelitas.
Contudo, precisamos ressaltar a importância da primeira menção conhecida do nome “Israel”, fora dos eventos bíblicos que aparece em um registro egípcio e que cita Israel nominalmente, e o sionismo valoriza e muito esse registro. A Estela de Merneptá, datada de 1208 a. C. cita os israelitas. Nela se lê que "Israel está destruído, não tem sementes". O contexto da frase indica que os israelita já era um grupo reconhecível no interior de Canaã, ainda organizados em tribos nômades, sem um reino de fato consolidado. Para os egípcios, que eram pragmáticos em sua política de dominação, trata-se de um povo menor e sem poder material e político significativo,
Historicamente, essa menção mostra que os israelitas estavam em processo de formação nas montanhas centrais de Canaã, ancorando sua existência no contexto arqueológico e egípcio, e a Estela de Merneptá distinguindo os fatos históricos posteriores das narrativas bíblicas, o que revela que os Peleset, politicamente, já estavam organizados e administravam a Pentápole Filisteia.
Vou sair um pouco do contexto do tema acima, só vou respirar e volto. Portanto, vamos observar o tempo sob diferentes perspectivas: cósmica, geológica, histórica e teológica, então podemos perceber que as escalas de tempo variam quase incomensuravelmente. Do ponto de vista cósmico ou geológico, podemos dizer que 5.786 anos representam nada quando o assunto é tempo: pois a Terra tem cerca de 4,54 bilhões de anos, assim como o Homo sapiens existe há aproximadamente 300 mil anos, e as primeiras sociedades agrícolas surgiram entre 10 e 12 mil anos atrás.
No entanto, sob a ótica histórica e arqueológica, esse período de cerca de 5.786 anos abrange quase toda a duração da história registrada da humanidade. A escrita cuneiforme na Mesopotâmia e os hieróglifos egípcios, que marcam o início da História, datam de cerca de 3.200 a.C. Assim, menos de 2% da existência do Homo sapiens está documentada historicamente; os mais de 98% restantes pertencem à Pré-história, conhecida apenas por meio de evidências arqueológicas e fósseis que mostram a existência de algo, mas que muitas vezes carecem de elucidação, no sentido de comprovação.
É nesse contexto temporal da pré-história que se inserem Jericó e Yapu (atual Jafa). Jericó é uma das regiões habitadas mais antigas, com raízes que remontam à pré-história. Já Yapu, cidade portuária cananeia, esteve ativa cerca de 2.500 anos antes do surgimento do Reino de Israel. Quando os israelitas ainda nem sonhavam em controlar a cidade, o Egito e, posteriormente, os filisteus já mantinham os dois pés na cidade, revelando assim um panorama complexo de influências culturais e políticas muito anterior aos narradores bíblicos.
Quando comparamos essas escalas de tempo, percebemos uma coincidência simbólica: a ciência e a arqueologia reconhecem cerca de 5.300 anos de história registrada a partir da escrita. A tradição judaica afirma que o mundo foi criado há 5.786 anos, segundo uma contagem teológica e simbólica baseada na cronologia bíblica.
Embora tratem de realidades distintas: uma empírica e outra espiritual, ambas convergem na ideia de que a civilização humana, tal como a conhecemos, tem história relativamente recente dentro da vastidão do tempo cósmico e da existência do Homo sapiens.
Quando saímos do tempo simbólico do judaísmo e entramos no tempo histórico e arqueológico, podemos compreender que, com o declínio do Egito e a crescente capacidade de organização das tribos israelitas, essas tribos começaram a se consolidar politicamente. Contudo, os filisteus são um povo historicamente comprovado e mencionado por diversos impérios, enquanto Saul e Davi têm sua existência principalmente pautada na tradição e na mitologia bíblica.
Nesse contexto narrativo, Yapu provavelmente foi conquistada e entrou no domínio israelita por volta de 1.000 a.C., sob Salomão, filho de Davi — embora essa informação dependa essencialmente dos relatos bíblicos para ganhar credibilidade histórica.
Assim, com a divisão do reino após a morte de Salomão, Yapu (atual Jafa) passou a integrar o Reino do Norte e, posteriormente, o Reino de Judá. Com a expansão assíria, a cidade foi incorporada ao Império Assírio. Textos desse período ainda se referem a ela como “Yapu da terra de Filístia”, evidência de que, mesmo séculos depois, a memória do antigo domínio filisteu permanecia viva.
Durante os períodos babilônico e persa, Yapu – agora chamada Yafo ou Iapu – ressurgiu como porto ativo e estratégico. Nesse contexto, o território começou a ser identificado oficialmente como “Peleshet”, designação dada pelos egípcios, que o helenismo, por meio de Heródoto, resgatou, referindo-se à antiga Filístia.
Isso indica que não foram apenas os romanos que utilizaram o nome da antiga Peleshet. Ao renomear a província como Syria Palaestina, os romanos recorreram à história da Filístia. Isso significa que o termo já possuía lastro histórico e geográfico profundo, remontando a séculos antes da existência da Judeia. Assim, quando os romanos renomearam a província de Judaea para Syria Palaestina no século II d.C., eles estavam apenas fazendo uso da história e ressuscitando um nome com mais de 1.200 anos de uso histórico por dinastias egípcias, e documentado por historiadores, e não inventando algo novo.
A adoção do nome Syria Palaestina pelo Império Romano, após a revolta de Bar Kokhba em 135 d.C. (um fato histórico, não bíblico), deve ser compreendida dentro de um duplo contexto: administrativo e ideológico. Administrativamente, a denominação refletia a integração da antiga Judeia à província romana da Síria, reforçando o domínio imperial sobre o Levante. Ideologicamente, o termo “Palaestina” remonta ao antigo “Peleshet”, designação egípcia e bíblica para a terra dos filisteus, considerados inimigos históricos dos israelitas. É importante lembrar que os romanos foram influenciados pelo período helenístico, quando os gregos já se referiam à região como Παλαιστίνη (Palaistínē), termo que os gregos colhe dos egípcios, e que os romanos posteriormente latinizariam como Palaestina.
Dessa forma, a mudança de nome feita pelos romanos não apenas refletiu uma decisão administrativa, mas também constituiu uma manobra ideológica e geopolítica, articulando o legado helenístico ao poder imperial romano, com o objetivo de redefinir a geopolítica da Judeia com um nome – Palaistínē – que existia antes da criação da Judeia. Vale salientar a diferença entre Gaza, cidade filisteia, que é anterior ao surgimento do reino de Judá em quase dois séculos.
Assim, ao combinar “Syria” e “Palaestina”, Roma não estava apenas reorganizando a região de maneira geopolítica, mas apagando a política e o poder que se estabeleciam em uma região chamada pelos israelitas de Judeia. Roma substituiu “Judeia” por uma nomenclatura associada a povos não judaicos, mas a uma etnia que também fazia parte da história de Canaã e administrava a Pentápole Filisteia, e que, segundo a Bíblia, era inimiga dos israelitas. Portanto, podemos dizer que, de forma simbólica, Roma usou os filisteus para punir o poder insurgente dos israelitas.
Portanto, a escolha do nome “Syria Palaestina” não é um gesto de redefinição simbólica do território, em que a geopolítica imperial se articula, mas sim a devolução do nome à memória histórica local, para legitimar o controle romano e neutralizar e punir o grupo político organizado dos israelitas, que se opunha à romanização de Jerusalém, buscava independência política e autonomia e enfrentava a pesada carga tributária romana.
Mas quero salientar algo que considero de fato relevante e que reforça o motivo pelo qual os romanos denominaram a região sob seu domínio de “Syria Palaestina”. Os filisteus permaneceram em Canaã por séculos antes, durante e depois da monarquia israelita. Enquanto o Reino de Israel independente durou pouco mais de um século, o período filisteu ativo foi cinco a seis vezes mais longo.
No decorrer das minhas leituras sobre os filisteus, sempre vinha à minha cabeça a pergunta: por que os filisteus eram inimigos dos israelitas? Na Bíblia, os israelitas retratam os filisteus como inimigos principalmente porque foram um dos principais povos com quem disputaram território e poder durante o período de formação de Israel. No entanto, sob uma perspectiva histórica, fora do texto bíblico, os filisteus já formavam uma sociedade organizada e estruturada politicamente antes mesmo de os israelitas se consolidarem como povo com liderança e território fixo.
Enquanto os filisteus viviam em cidades-estado bem estabelecidas, com cultura e economia próprias, os israelitas ainda eram um grupo seminômade em busca de terras e identidade política. Assim, o conflito entre eles pode ser visto não apenas como uma disputa religiosa ou moral, como aparece nas Escrituras, mas também como um reflexo das tensões entre um povo estabelecido e outro em processo de formação.
Se você reparar bem, a história de Yapu cananeia é como um livro aberto da região. Cada camada: cananeia, filisteia, israelita, assíria, persa, não substituiu a anterior, mas se sobrepôs a ela. A passagem “da Cananeia Filistana à Palestina” não foi um evento repentino, mas um processo contínuo de adaptação e reinterpretação e ressignificação de espaço e cultura. A cidade começou como Yapu, porto egípcio; tornou-se Yafo, porto de Salomão; depois Ioppe, cidade helenística e romana, entidades que coexistiram e formaram camadas históricas.
O porto, o nome e a memória resistiram ao tempo, mostrando que, no Levante, cada império deixou vestígios, mas nenhum apagou completamente o que veio antes. Os romanos não apagaram a identidade judaica, só destituiu o poder israelita enquanto povo que reinou durante quase 120 ano na região. Porém, não posso esquecer que Salomão é um personagem idealizado; até o momento, não existem provas arqueológicas diretas que confirmem a existência do rei exatamente como descrito na Bíblia.
Embora as camadas históricas de Yapu/Yafo, Canaã e Filisteia tenham se sobreposto sem se apagar, no século XX o movimento sionista traçou uma nova narrativa de poder sobre a mesma paisagem, utilizando elementos idealizados de Saul, Davi e Salomão, conforme registrado na Bíblia, e construiu a teologia do retorno e a premissa do povo escolhido. Com o apoio do Império Britânico, o sionismo passou a atuar na região, reivindicando uma continuidade simbólica com o antigo Israel bíblico de Saul, Davi e Salomão.
De certa forma, era como se o sionismo estivesse a recomeçar a luta com os romanos, quando estes frearam o ímpeto dos israelitas após a revolta de Bar Kokhba, em 135 d.C. O sionismo, ao ocupar a região, passou a reescrever a memória histórica, substituindo narrativas locais e apagando narrativas antigas não por uma nova interpretação simbólica, mas baseando sua luta e sua teologia do retorno na Bíblia e em fatos históricos não muito claros. Era como se a luta pelo território continuasse, apenas com novas armas e estratégias.
Nesse sentido, de forma metafórica, é como se o sionismo voltasse no tempo, ou como se o tempo tivesse parado e esperado o sionismo nascer para então continuar a luta e restaurar o poder israelita destituído pelos romanos. Como disse acima, a luta iniciada no período de Bar Kokhba (135 d.C.) recomeçaria, e o retorno ao “lar espiritual” só demorou por falta de um líder e por falta de apoio político.
Vale ressaltar, porém, que, nesse contexto, apenas o sionismo judaico conseguiu concretizar a retomada de um território destituído pelo Império Romano em 135 d.C., depois de quase dezoito séculos, com o apoio do Império Britânico, que, por sua vez, destituiu o Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial (1917–1918). Outros povos expulsos de suas terras nativas não obtiveram resultados equivalentes ao do sionismo.
Diferentemente das civilizações antigas, que deixaram marcas sedimentadas no tempo, o sionismo ainda é um movimento político em processo, que ganhou forma e relevância quando o poder imperial britânico concedeu legitimidade para atuar. A história do sionismo não está concluída; é uma camada recente e instável no vasto palimpsesto do Levante, sustentada mais por alianças geopolíticas e pela Bíblia do que por evidências históricas que o autorizem a ocupar espaços que historicamente não pertenceram a ele.
Não sabemos quanto tempo essa camada sionista durará, nem qual novo poder escreverá sobre ela. Porque, em Yapu e em toda Canaã histórica, o tempo é feito de substituições, de reescritas, de vozes que se sobrepõem sem se anularem completamente. É por isso que o judaísmo, o cristianismo e o islamismo continuam a ter força nesse tempo espiritual cananeu, onde cada tradição criou uma marca e tenta deixar sua marca sem apagar totalmente as anteriores.
Assim, quando se pensa em Canaã, Palestina e Israel, é preciso pensar em Yapu: uma cidade-palavra, um porto-memória, um livro aberto em que cada império escreveu seu nome, e nenhum pôde conservar para sempre o domínio da página. O sionismo ainda não é uma camada sedimentada, como o Egito faraônico ou a Filístia. É uma narrativa em disputa política, que causa estragos na região; porém, essa narrativa sionista pode não ser eterna, ou pode ser eterna, como o sionismo deseja, e talvez também o judaísmo não sionista.
Texto escrito por Adu Verbis e revisado por IA - ChatGPT
Referências:
Yapu na Idade do Bronze e Egito Antigo
-
Cartas de Amarna: correspondências diplomáticas do século XIV a.C. mencionam Yapu (Jaffa) como uma cidade sob influência egípcia.
-
A Tomada de Joppa: texto egípcio que descreve a captura de Yapu por Tutmés III, evidenciando sua importância estratégica.
-
Fortaleza Egípcia em Jaffa: escavações revelaram uma fortaleza egípcia única em Canaã, indicando resistência local ao domínio egípcio. (Revistas da Universidade de Chicago)
Yapu na Idade do Ferro I e Filisteus
-
Cerâmica Filisteia: presença de cerâmica bicromada (vermelha e preta sobre fundo branco) em Yapu, característica da cultura filisteia.
-
Assentamento Filisteu: evidências arqueológicas indicam que Yapu foi incorporada à órbita filisteia, embora não fizesse parte da Pentápole Filisteia. (The Torah)
Yapu na Era Israelita e Persa
-
Conquista Israelita: Yapu foi incorporada ao Reino de Israel após a derrota dos filisteus.
-
Porto Real: durante o reinado de Salomão, Yapu tornou-se um porto importante para o transporte de madeira do Líbano.
-
Domínio Persa: sob domínio persa, Yapu (Yafo) manteve sua importância como centro comercial. (Encyclopedia Britannica)
Yapu na Era Helenística e Romana
-
Complexo Armazenador Helenístico: escavações revelaram um grande complexo de armazenamento da era helenística em Yapu, indicando comércio ativo.
-
Conexões Mediterrâneas: importação de cerâmica grega e outros artefatos atestam a integração de Yapu nas redes comerciais do Mediterrâneo. (Archaeopress)
Evolução para a Palestina
-
Designação "Peleshet": durante o período persa, a região costeira foi designada como "Peleshet", de onde deriva o termo "Palestina".
-
Transformação Cultural: Yapu/Yafo passou a integrar a região da Palestina, refletindo mudanças culturais e políticas ao longo dos séculos. (Wikipedia – Jaffa; Encyclopaedia Britannica – Jaffa)
-
Biblical Archaeology Society: artigos sobre escavações arqueológicas em Jaffa, destacando descobertas significativas da Idade do Bronze e períodos posteriores.