Por Adu Verbis
Ao longo da minha trajetória como curioso, de escutas, leituras e reflexões, me deparei com uma pergunta que parece simples, mas carrega implicações filosóficas, linguísticas e ecológicas: faz sentido dizer “meio ambiente”? Ou não bastaria apenas “ambiente”?
A discussão gira em torno da origem e do sentido dessa expressão tão presente no cotidiano e consagrada na língua portuguesa, mas que, para alguns, carrega uma suposta redundância, como se fosse uma tradução literal e inadequada de um pleonasmo francês: milieu ambiant. Mas o que quer dizer milieu ambiant?
No próprio francês, milieu ambiant é considerado um pleonasmo. Costuma-se argumentar que a palavra “ambiente” já contém o sentido de “meio”, o que faria da expressão “meio ambiente” uma redundância ou mesmo um pleonasmo. Um pleonasmo elegante, que se contrapõe à deselegância de “subir para cima”, “descer pra baixo”, “ver com os próprios olhos” ou “goteira no teto”. Eu gosto de “goteira no teto”. Eu gosto de goteira no teto? Quiz dizer que gosto da expressão “goteira no teto” e não de goteiras.
No português, a expressão “meio ambiente” muitas vezes soa como meio, sinônimo de parte de uma coisa equidistante, ou mesmo como um ambiente pela metade. Contudo, diante das condições climáticas atuais, é possível acreditar que meio ambiente é realmente um ambiente pela metade, porque a outra metade foi destruída.
Bem, no inglês, optou-se por uma forma mais sintética: environment, que abarca a ideia de meio enquanto um conjunto de elementos que envolvem e carregam o sentido de algo que tem uma envolvência que se estrutura por meio de uma circunstância e consequência.
Há quem diga, inclusive, que “meio ambiente” foi apenas uma tradução direta de milieu ambiant, que se consagrou mesmo sendo considerado um pleonasmo em seu idioma nativo, o francês. Entretanto, milieu (medium) e ambiant (ambiens) têm base etimológica no latim: medium ambiens – o meio que envolve.
Contudo, embora ‘meio’ e ‘ambiente’ possam ser usados como sinônimos em certos contextos, seus sentidos originais são diferentes. ‘Meio’ refere-se ao espaço dinâmico, ao canal ou processo por onde algo passa ou acontece. Já ‘ambiente’ designa o espaço ao redor, o cenário que envolve algo de forma mais estática.
Quando unidos na expressão ‘meio ambiente’, formam um substantivo composto que designa o conjunto das condições e espaços que cercam e sustentam a vida, um conceito único que, do ponto de vista linguístico, eu não vejo como redundante, mas sim complementar.
O “ambiente”, da forma como costumamos entendê-lo, é quase como um palco onde a ação acontece. Há nele uma certa inércia, uma condição dada. O “meio”, por sua vez, parece carregado de energia: é o que conecta, atravessa, transmite. É o processo em si.
No entanto, essa união acaba produzindo algo mais denso: não resulta em um sinônimo único e simplificado, mas em uma expressão composta que carrega peso próprio e articula duas noções distintas.
O termo deixa de ser visto como repetição vazia e passa a nomear uma realidade complexa, justamente por fundir dimensões que, embora próximas, não são equivalentes. A linguagem, nesse caso, não colapsa os sentidos; ela os mantém em tensão, e é essa tensão que sustenta a expressividade do termo meio ambiente.
Em vez de redundância, vejo que a expressão revela uma tensão produtiva entre dimensões complementares: o que age e o que acolhe a ação, o movimento e o suporte, o agente e o contexto.
Essa estrutura de duplo pertencimento, em que algo existe ao mesmo tempo como força e como forma, como acontecimento e como condição, reaparece em diversos campos do saber: na física, entre partícula e campo; na biologia, entre organismo e habitat; na música, entre melodia e harmonia.
Portanto, “meio ambiente”, nesse sentido, não é um excesso linguístico, que pode ser definido como pleonasmo, mas uma fórmula expressiva para nomear a coemergência, o que significa que não são entidades isoladas, mas surgem e se definem um em relação ao outro entre o que se move e o mundo que o permite mover-se.
Na física, especialmente na termodinâmica, um sistema pode permanecer em equilíbrio, parado, inerte, até que algo externo atue sobre ele: uma força, uma energia, uma pressão. Nesse contexto, o meio é o agente da transformação. É ele que rompe a inércia, que gera consequências. O ambiente é o estado de fundo; o meio, a força que movimenta. Juntos, se revelam como polos de uma ecologia: permanência e mudança, resistência e impulso.
No entanto, essa distinção física reverbera também na linguagem. Etimologicamente, ambiente (de ambiens, o que cerca) carrega o sentido de envolvimento passivo: o entorno. Já meio (do latim medium) remete ao que está entre, o canal, o espaço de passagem, frequentemente associado à ideia de mediação.
Na linguagem, “meio” assume o papel dinâmico de veículo do sentido, aquilo que transporta e transforma, como um discurso, um estilo, uma forma de expressão. “Ambiente”, por outro lado, sugere o cenário discursivo, o contexto onde os sentidos circulam: cultural, histórico, ideológico e suas circunstâncias e consequências.
Assim como na física, meio e ambiente se entrelaçam: um atua, o outro dá a moldura. A linguagem se dá nesse campo de tensão: entre a estabilidade do contexto e a instabilidade da mensagem que o atravessa, e seus contextos e sinônimos.
Na ecologia, o ambiente pode ser visto como o conjunto das condições físicas e químicas que definem um habitat: temperatura, umidade, luz. Já o meio é a rede de interações entre os organismos, os fluxos vitais, as trocas constantes que constroem a vida.
O ambiente é o dado; o meio, o que se desenrola entre os seres vivos. Como sugere Gregory Bateson, o meio ecológico é uma teia viva e em constante movimento. Já o ambiente é o espaço que acolhe essa teia. E essa teia acaba representando simultaneamente o meio e o ambiente.
Na filosofia da linguagem, o ambiente pode ser entendido como o contexto de uma fala: lugar, tempo, interlocutores. O meio seria o que permite a circulação da mensagem: a linguagem viva, os gestos, o tom.
Autores como Roman Jakobson destacam que o meio é o canal que possibilita a comunicação, enquanto o ambiente é o campo que permite interpretar o que é dito. Nesse sentido, “meio ambiente” representa também a união entre a potência da comunicação e o espaço que a torna compreensível, porque o meio conduz.
A expressão milieu ambiant surgiu na França do século XIX, em contextos científicos e filosóficos, para designar o conjunto de condições que circundam um organismo. Ao ser traduzida para o português como “meio ambiente”, ganhou vida própria, especialmente a partir do século XX, com o avanço das questões ecológicas na esfera política e cultural e com o crescimento da desigualdade.
O filósofo francês Henri Bergson, por exemplo, desenvolveu a noção de milieu como o espaço vital que molda a consciência e a ação, destacando seu caráter fluido e dinâmico. Para ele, o “meio” não é apenas pano de fundo, mas um elemento ativo da existência.
Já o ecólogo Eugene Odum, considerado o pai da ecologia de sistemas, ressaltou a interdependência das partes que compõem o meio ambiente, mostrando que ele não é uma simples coleção de elementos, mas um sistema dinâmico e integrado.
A crítica feita por quem considera o termo “meio ambiente” um pleonasmo, e acha que o mais adequado seria apenas “ambiente”, muitas vezes ignora essa complexidade histórica e conceitual dos termos, e reforça a polarização entre saber acadêmico e saber popular. Uma língua também é feita de beleza e de feiura.
Portanto, vejo que “meio ambiente”, mesmo quando considerado um pleonasmo, é na verdade um eufemismo que suaviza uma questão complexa, com implicações filosóficas, linguísticas e ecológicas.
Por isso, para mim, “meio ambiente” até pode ser considerado um pleonasmo, porém, contraditoriamente, não o vejo como uma redundância ou um vício pleonástico. Trata-se de uma expressão rica, que carrega consigo a complexidade de uma disputa entre o domínio do discurso especializado, que, aliás, não consegue frear o discurso corrente e popular, que geralmente é predominante. E isso mostra que não existe um proprietário da língua, mas saberes, imensos num meio, que administram consequências e circunstâncias do ambiente.
O termo “meio ambiente” nos lembra que o mundo não é um cenário estático, mas um campo de trocas contínuas entre uma ambiência e um meio-duto. Que viver é estar circundado e envolvido, e também ser parte ativa daquilo que nos envolve, conduz e gera equilíbrio ou desequilíbrio.
Portanto, o meio social gera mais desequilíbrio do que propriamente equilíbrio ao meio ambiente, e, para notar isso, basta observar a história e suas circunstâncias e consequências.