quarta-feira, 3 de novembro de 2010

TERRA DE NINGUÉM


O filme Badlands (1973), de Terrence Malick, com Sissy Spacek e Martin Sheen nos papéis principais, é um dos grandes exemplares da safra de bons filmes da década de setenta. Quem ainda não viu, tem a obrigação de ver; quem já viu, deve rever. Sua estrutura é simples, mas o conteúdo dramático, profundamente complexo.

A história se passa nos Estados Unidos, em 1959. Kit (Martin Sheen) começa a cometer crimes e se torna um fugitivo procurado por seus delitos. Ao seu lado está a pacata e sinistra namorada ruiva, Holly (Sissy Spacek), que presencia os assassinatos com a naturalidade de quem observa um pôr do sol ou um vendaval.

Do ponto de vista psiquiátrico, Kit e Holly seriam classificados como indivíduos que vivem em um mundo de fantasia, ou seja, doentes. No entanto, o cenário frio e real que os cerca dissolve essa ideia. Quando Kit mata alguém, ele o faz convencido de que a vítima premeditava matá-lo ou tirar vantagem por ele ser um foragido.

Seus crimes não despertam ódio, pelo contrário, fazem dele uma celebridade. Isso porque Kit tem uma percepção realista do mundo ao seu redor e, ao mesmo tempo, é sincero com suas emoções. A loucura em Badlands não é um distúrbio isolado, mas um reflexo de um cérebro universal — um cérebro que se manifesta na constante mudança da paisagem, na oscilação entre dia e noite, começo e fim, certeza e incerteza. O impacto da cena em que o pai de Holly mata seu cachorro, punindo-a por se encontrar com Kit, não está na morte do animal, mas na paisagem onde ela ocorre. O filme não busca se afirmar por meio de histeria cênica. A cena de perseguição, por exemplo, é uma das mais belas do cinema.

Enfim, Badlands é um grande filme.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

MEIO AMBIENTE



A fotografia de Chris Jorson é emblemática por expor a estética a priori da morte. Segundo Sartre, não há estética a priori, mas a estética da morte é, sim, uma causa que precede a angústia humana. A ave se alimenta de lixo inorgânico, um dejeto abandonado no meio ambiente pelo homem, cujo nutriente conduz à morte. Uma mente pragmática diria que o pássaro morreria de qualquer forma — sim, seu destino final seria a morte; porém, o alimento inorgânico a antecipa.

JOGO DE CINTURA



Nessa história de que brasileiro tem jogo de cintura e etc. e tal, nunca vi um único brasileiro usá-lo em prol do coletivo – sempre em benefício próprio. Jogo de cintura é sinônimo de salvar a própria pele, fazer autopromoção ou pavimentar o caminho para a beatificação.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

BOTECO



Uma coisa que me impressiona no Rio de Janeiro é a quantidade de botecos espalhados pela cidade; e o mais curioso é que, volta e meia, algum empreendedor abre um barzinho chique, limpo, bem-apresentado, mas o barzinho não dura o suficiente para que ele ao menos recupere o investimento.

A cultura do boteco no Rio de Janeiro é sólida. Há um pacto subconsciente entre os cariocas que rejeita bares com a pretensão de se colocarem acima dos botecos. E há até uma expressão específica para os estabelecimentos que não vingam: caveira de burro.

E, nessa imensidão de botecos, sempre há um que serve iguarias capazes de deixar no chinelo os pratos dos melhores restaurantes. Minha favorita é jiló com moela. Acompanhada de cerveja ou de uma taça de vinho, é uma delícia. Mas nem todo boteco sabe acertar o tempero e o cozimento; ainda assim, a maioria tem jiló e tem moela.


quarta-feira, 7 de julho de 2010

SERIA UM HEXA ZANGADO



Faço um carinho nos corações patrióticos que não puderam ver a cor do hexa. Quem sabe em 2014?! Eu, particularmente, estava torcendo, não contra a Seleção Brasileira, mas contra o reacionarismo do técnico Dunga. Não me alegraria caso o Brasil vencesse a Copa do Mundo de 2010.

O torcedor vive na urgência exagerada de provar que sua seleção é capaz e, por isso, sofre quando ela perde; contudo, no caso do Brasil, essa derrota fará bem ao futebol brasileiro. Futebol não é só uma caixinha de surpresas. Portanto, não seriam as regras superlativas impostas pelo técnico Dunga aos jogadores, como se só ele amasse a Seleção Brasileira, que trariam a taça ao Brasil. Porque, com o futebol diminutivo da Seleção, não haveria surpresas.

Pela concepção de futebol de Dunga, não sentiria satisfação em comemorar um título que levasse sua assinatura — já bastou o de 1994. Essa coisa esquisita chamada futebol pragmático é lorota. Pragmático, para mim, é ter bons hospitais públicos. Fiquei feliz com a eliminação do Brasil na Copa do Mundo da África do Sul. Que venha 2014.

UM PARADOXO



Sempre que escuto um homem dizendo que tal sujeito é um covarde porque bate em mulher, fico pensando: será que o sujeito que bate em mulher é covarde por bater nela, ou será que aquele que censura o ato de um homem bater em uma mulher está, na verdade, inferiorizando a mulher?

E, ao considerar a mulher inferior ao homem, o homem só seria digno de coragem ao bater em outro homem. Portanto, acredito que, ao recriminarmos o ato de violência de um homem contra uma mulher, também estamos cometendo um ato de discriminação contra a mulher.

O homem que bate em mulher não é covarde por bater nela, ele é incapaz de controlar sua agressividade impiedosa. Bater em um homem não é sinônimo de coragem, mas de agressividade. As contradições de uma cultura são o alicerce da própria consciência social.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

VAZIOS CONTIDOS



“Tua experiência de mim é invisível a mim e minha experiência de ti é invisível a ti”. Laing

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A COPA DO MUNDO DE 2010 NA ÁFRICA DO SUL



Talvez a solução para evitar os assaltos a turistas que planejam ir à África do Sul para assistir aos jogos, e aos jornalistas que pretendem cobrir a Copa do Mundo lá, fosse a eventual ausência de turistas, jornalistas e seleções no país. Só assim não haveria assaltos. Dessa forma, a seleção local ganharia o título de campeã da Copa do Mundo de 2010 por w.o. Só assim não viveríamos sob a iminência de ataques terroristas, nem teríamos o medo de sermos assaltados, ou de os jornalistas perderem seus notebooks de última geração; e nem eu perderia meu radinho de pilha, herança do meu avô, para uma multidão à qual falta tudo. 

Uma multidão que precisa de muitas coisas que a Copa não proporcionará, e vê que, talvez, apenas por meio dos assaltos poderão ter algo depois do evento, nem que seja o meu radinho de pilha, que é muito útil para mim, que tenho outros bens — imagine para quem não tem nada. O bom de viver num mundo com a FIFA e a CBF é que sempre há um otimista de plantão para dizer: “Quando a Copa de 2010 acabar, ficará um legado para a África do Sul.”

Acredito que a Copa do Mundo na África do Sul seja um complô da cartolagem mundial contra os jornalistas que vivem difamando a FIFA, e, no caso do Brasil, os jornalistas que atacam a CBF. Os cartolas estão satisfeitos com a ideia de os jornalistas enfrentarem as dificuldades de cobrir os jogos na África do Sul.

Só pode ser um complô contra os jornalistas para justificar a realização de uma Copa do Mundo em um país que precisa de tudo: comida, saúde e tantas outras coisas, mas não uma Copa que não reflete as reais necessidades do país — embora este tenha o direito de sediar o evento — e sim as intenções escusas dos cartolas da FIFA. Agora, resta esperar que o peso do mundo caia sobre as cabeças dos jornalistas e turistas. Boa Copa a todos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

POEMAS DO LIVRO A LÍNGUA DIZ O VERBO FAZ



Este vídeo foi realizado em cima de pequenos poemas feito por mim, por uma moçada que estuda cinema. Fico feliz pelo carinho!

sábado, 20 de março de 2010

GLAUCO VILAS BOAS



Quando se convive com alguém que perde a vida de forma brutal, surge a sensação de que a vida, assim como a literatura, não são feitas apenas de bons sentimentos. O assassino que matou o cartunista Glauco, que, por sinal, acreditava ser Jesus, talvez estivesse, no momento do assassinato, possuído pelos paradoxais sentimentos que alimentam tanto a vida quanto a literatura. Ao contrário de John Lennon, Glauco Vilas Boas não se via mais famoso que Jesus Cristo; entretanto, foi assassinado por um louco, assim como o assassino de Lennon, que se acreditava uma santidade. O pouco que convivi com o cartunista Glauco, entre uma sessão de Santo Daime e uma conversa descompromissada, mostrou-me que ele era portador de uma fina ironia, um coração bom e um sorriso tímido que encantava pela sutileza. Perdemos um bom coração.

DIA INTERNACIONAL DA MULHER



No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, não encontrei palavras para expressar ou criar um pequeno verso sobre a condição da mulher. Atribuo essa minha dificuldade em falar dela com ternura e poesia a um processo de insensibilidade que tem se apoderado de mim. As razões para esse processo de insensibilidade, que vem tomando conta da minha alma, são muitas. Uma delas é que a poesia sempre foi uma pele que protegia — ou protegia — o ser humano da realidade sangrenta com a qual sempre conviveu. E, com o tempo, essa pele poética foi destruída pela corrosiva solidão dos fenômenos da vida. Por isso, o mundo anda despido de pele poética. E quanto a mim, estou preso a essa interdependência entre os modos criativos e destrutivos que regem a vida. O que isso tem a ver com o Dia Internacional da Mulher? Tudo! A mulher e a poesia é parte da vida e do meio. Portanto, o meio anda a destruir a mulher e a poesia.