Sou um leitor comum, desses que acompanham colunas feitas às pressas e lidas com mais pressa ainda. Textos que tentam dar conta de um mundo cada vez mais incerto, onde a pergunta “o que faz bem e o que faz mal?” raramente tem resposta direta. Mesmo assim, sigo tentando entender esse mundo volátil. E, nos últimos dias, uma dúvida ficou martelando na minha cabeça: afinal, a frutose é vilã ou aliada?
Essa dúvida foi ficando mais clara depois de ler uma coluna da cientista Suzana Herculano-Houzel, publicada na Folha de S.Paulo, em que ela fala sobre a frutose, o açúcar presente nas frutas, no açúcar refinado e em produtos industrializados, como os refrigerantes. A ideia central do texto é clara: frutose em excesso faz mal. Mas a autora também pontua que, em certas situações, a frutose pode ter uma função útil no organismo.
Eu entendi o que ela queria dizer, mas não posso deixar de mencionar que o texto exigia atenção. Talvez estivesse mesmo um pouco carregado numa “sobrecarga de frutose” para os neurônios do leitor. E aí fiquei pensando: quando não entendemos um texto, a culpa é de quem escreve ou de quem lê?
No entanto, o texto da cientista Suzana Herculano-Houzel gerou desconforto entre leitores. Muitos acusaram a autora de colocar frutas e refrigerantes no mesmo patamar. Alegaram que o texto confundia e não explicava bem as diferenças entre a frutose natural (das frutas) e a frutose adicionada (de produtos industrializados). Alguns sentiram que ela estava demonizando as frutas; outros entenderam tudo ao contrário.
A verdade é que nem sempre é fácil entender ciência. E nem todo cientista consegue (ou quer) explicar as coisas de modo acessível. A ciência raramente responde com um “sim” ou “não”. Quase sempre diz: “depende”. Mas, para quem busca orientação sobre o que comer, o “depende” gera mais angústia do que esclarecimento. E o leitor, perdido entre tantas exceções, às vezes reage com hostilidade.
A frutose não é “boa” nem “má” por si só. As frutas, que contêm frutose, são saudáveis no contexto de uma alimentação equilibrada, pois trazem fibras, vitaminas, antioxidantes e água. Mas isso não significa que se deva comer frutas em excesso. Assim como é evidente que refrigerantes ricos em frutose livre, sem fibras ou nutrientes, fazem mal, principalmente quando consumidos diariamente e sem noção do que se está a consumir.
O corpo humano produz frutose internamente (não falo como cientista, não sou, mas li sobre) a partir de outros nutrientes, como a glicose ou até certos aminoácidos. Isso ocorre, por exemplo, quando ingerimos calorias em excesso de forma constante. Ou seja: o problema não é só o que comemos, mas o quanto comemos e com que frequência. A alimentação moderna, marcada por consumo frequente e calórico, força o fígado a lidar com frutose produzida pelo próprio organismo, o que também pode causar obesidade, resistência à insulina e a tal esteatose hepática.
A cientista respondeu às críticas dos leitores numa segunda coluna – “Frutose para o bem e para o mal”. Ali, ela reafirma que o excesso é o real vilão, seja na forma de fruta ou de refrigerante. No entanto, confesso que essa segunda coluna me incomodou. Não pelo conteúdo, mas pelo tom emocional, que me pareceu menos científico e mais defensivo. Ela pareceu se incomodar com a reação dos leitores e respondeu como quem se sentiu atacada. Mas, como muitos leitores são de fato agressivos, é possível que ela tenha sido mesmo atacada de forma desrespeitosa. Ainda assim, acho que faltou a ela, talvez, uma escuta mais científica e menos emocional com o leitor que simplesmente não entendeu o contexto da frutose nas frutas e nos refrigerantes ou mesmo sobre a dinâmica da frutose no corpo.
Talvez a cientista tenha se sentido incompreendida ou ofendida. E, no meio disso tudo, a frutose virou símbolo de algo maior: a dificuldade de construir diálogo claro em um mundo sobrecarregado de informações, e de intenções, que agem como frutose. Há ainda outro risco nesse mundo sobrecarregado de informações: o niilismo alimentar. Muita gente, cansada das dúvidas, parte para o “tanto faz”. Se até frutas fazem mal, então por que me preocupar? “Tudo mata mesmo.” É um raciocínio compreensível, mas perigoso. A frustração pode levar ao abandono completo de critérios. E aí deixamos de tentar fazer o melhor, apesar das constantes dúvidas.
A tal “bomba atômica da frutose”, no fim das contas, talvez não esteja nas frutas nem no refrigerante. Está na forma como consumimos alimentos, e também informações: rápido, superficial, sem tempo para pensar, refletir, escutar. Queremos verdades fáceis, mas o que a ciência nos oferece, quase sempre, é complexidade. Porque o processo de produção de saber é complexo. E viver bem exige lidar com isso: com a dúvida, a nuance, a responsabilidade de pensar por conta própria ou com a ajuda da ciência.
Como leitor, não tenho todas as respostas. Mas sigo com a vontade de entender melhor, comer melhor e na quantidade certa. E sigo acreditando que nem o cientista precisa ser arrogante, nem o leitor deve ser tratado como ignorante, ou ser agressivo sem motivo. Pois há complexidade no saber. Viver é complexo, e nem todos abraçam essa complexidade de forma segura e completa. A vida e o saber não se resumem a uma receita ou a uma frase de efeito.
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