sábado, 5 de julho de 2025

Banksy: A Mensagem Que Ocupa O Meio


Por Adu Verbis

Eu caminho pelas cidades como quem lê textos interrompidos. Em muros abandonados, fachadas discretas ou mesmo à margem de avenidas apressadas, descubro fragmentos de uma mensagem que se escreve no espaço. Nesse caminhar, a imagem de Banksy se forma em minha cabeça como se ele fosse íntimo. O artista anônimo, incógnito até hoje, é menos uma figura e mais um fenômeno ou, como diria Marshall McLuhan, um meio que se tornou a própria mensagem.

Banksy compreende o mundo como um campo de disputa simbólica e transforma a paisagem urbana em linguagem. Ao grafitar diretamente nos muros, ele faz do suporte parte da semântica: é impossível dissociar o “o quê” do “onde” e “como”. Um rato pintado numa esquina suja de Londres ou um balão em forma de coração que escapa das mãos de uma menina são mensagens que não poderiam existir em museus sem perder parte do impacto.

McLuhan dizia: “O meio é a mensagem”. Banksy parece levar isso ao limite: o espaço urbano não apenas contém a obra, mas a constitui. Não é mera moldura, é coautor. Quando o artista instala uma obra clandestinamente no MoMA ou vê sua tela se autodestruir logo após um leilão milionário, o meio físico vira performance conceitual.

A arte de Banksy resiste à neutralização, reaparece onde não é esperada, como se denunciasse a anestesia cotidiana. Adorno, ao discutir a indústria cultural, já nos alertava sobre a domesticação estética: Banksy caminha na contramão. Em “There is Always Hope” (Sempre há esperança.), onde uma menina deixa escapar um balão em forma de coração, a poesia da cena contrasta com a dureza do cimento urbano: é esperança e perda condensadas em uma única mensagem.

Em “Flower Thrower”(Arremessando de Flores), um manifestante arremessa flores em vez de pedras. A estética da revolta pacífica se impõe: Banksy substitui a violência por beleza, sem nunca perder o impacto visual da revolta. Já em “Kissing Coppers”( um beijo não policiado), dois policiais britânicos se beijam em uniforme completo. É subversão afetiva, crítica ao autoritarismo e talvez um pedido sutil por liberdade íntima.

Já em “Mobile Lovers” ( Amores virtuais), ele mostra um casal se abraçando, mas ambos olhando para seus celulares, o contato sem presença. E em “Napalm (Can’t Beat the Feeling)” (Napalm (Impossível não sentir), Mickey Mouse e Ronald McDonald seguram a menina vietnamita da famosa foto do ataque de napalm, expondo o grotesco sorriso do capitalismo sobre a dor histórica da menina.

Em sua obra mais recente, surgida em maio de 2025 na Rue Félix Frégier, em Marselha, Banksy pintou um farol cujos feixes de luz se alinham com a sombra de um balizador. O farol, símbolo de orientação e permanência, é transformado em um jogo visual que chama a atenção para si e sinaliza sua presença em diálogo com a realidade.

Banksy via Instagram

E lemos: “I want to be what you saw in me.” (Quero ser o que você viu em mim). Banksy se aproxima de uma introspecção quase amorosa, abrindo espaço para uma leitura subjetiva, na qual a mensagem parece um pedido de reconhecimento na solidão dos dias atuais, em que o meio já não é a mensagem, pois o meio se tornou virtual, e a mensagem, uma garrafa à deriva. Aqui, a garrafa pode ser entendida como as pessoas que circulam de um lado para o outro, levadas pelos oceanos – os celulares. E o farol sinaliza para as pessoas que ainda existe terra onde se pode aportar.

Banksy não é apenas um grafiteiro, um ativista ou um artista de rua. Ele é uma linguagem que se espalha pela pele das cidades. Um ruído visual que perturba a ordem, como queria Jacques Rancière ao defender a arte como redistribuição do sensível. 

Banksy é aquilo que aparece onde não deveria, que insiste em existir sem ser nomeado, que sabota a institucionalização do olhar. Em um mundo saturado de imagens controladas, ele devolve à imagem seu poder inquietante. Ele não quer ser celebrado: quer ser visto. E, ao ser visto, quer nos ver. Ele é a mensagem que nos olha de volta do muro.

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