Por Adu Verbis
Quando caminho entre as formas inquietas do arquiteto Frank Gehry (1929-2025) ou sob as curvas líricas e luminosas da obra de Oscar Niemeyer (1907-2012), percebo algo que sempre me escapa a resposta: como dois arquitetos tão distantes no tempo, no território e na história da arquitetura podem tocar o mesmo gesto essencial, o de transformar o espaço em testemunho da alma, e ainda assim revelar mundo tão distintos?
Ao me aproximar de uma obra de Frank Gehry, sinto como se estivesse adentrando um território onde a realidade é sonhada e perde o contorno fixo, talvez passando a oscilar entre sonho e realidade, vibrando como um quadro de Salvador Dalí, que se desfaz e se reconstrói diante de mim. Há algo na obra de Gehry que me inquieta e me deixa num estado quase claustrofóbico, que parece surgir não da falta de espaço, mas da presença excessiva de energia que me coloca em choque e me fragmenta. Pois tudo pulsa numa aleatoriedade, tudo se move sem recuo, tudo parece prestes a escapar do próprio espaço, como se cada peça sustentada pela estrutura tivesse um movimento nômade que nasce do instinto de recusar um estado fixo das coisas e, dessa forma, gera um conflito com a própria estrutura do edifício.
E, paradoxalmente, percebo que, enquanto observo suas superfícies metálicas refletindo a luz, nada disso nasce de uma dor explícita. Gehry, afinal, é um homem cuja alegria transparece, cuja leveza pessoal contrasta com a densidade de suas obras. Então, de onde vem esse drama espacial? Talvez de um mundo cultural marcado por tensões e rupturas, um mundo pós-guerra que aprendeu a desconfiar das formas sólidas, das certezas geométricas, das narrativas lineares. Talvez do fato de carregar, mesmo sem desejar expressá-lo diretamente, a memória subterrânea de uma herança judaica atravessada por deslocamentos, discriminações e reinvenções. Mas nada disso é declaração. É atmosfera. É o inconsciente cultural que encontra abrigo na arquitetura.
Quando volto meu olhar para Niemeyer, a vibração muda. As curvas continuam lá, mas respiram outro ar, outro clima, outra alegria. Niemeyer parece deixar a arquitetura dançar. Ela se dobra como o corpo, desliza como a água, balança como uma canção de praia. E, no entanto, quanto mais observo essa leveza solar, mais percebo a melancolia discreta que o próprio Niemeyer carregava. Um homem que tinha uma fala pausada, olhar reflexivo, convicções profundas e desencantadas sobre a sociedade cria espaços que desmentem sua tristeza: espaços abertos, luminosos, plenos de esperança, contudo, nas curvas que respiram a melancolia está presente.
O estilo de Oscar Niemeyer é reconhecido pela leveza das curvas, inspiradas na paisagem brasileira, no corpo humano e em sua visão poética do espaço e na visão política de um Brasil que busca seu lugar no mundo. No modernismo, Niemeyer absorveu princípios trazidos ao Brasil por Le Corbusier, como o uso expressivo do concreto armado, mas buscou no concreto suavidade e não brutalidade, além do plano livre e de uma arquitetura funcional e ao mesmo tempo monumental que não dialoga com o monumental clássico, mas o transforma em algo singular, marcado por curvas livres e grande força plástica. Suas obras apresentam formas amplas e fluidas que combinam simplicidade estrutural com expressão artística, reafirmando assim uma identidade brasileira profundamente espacial e sensorial, o que de certa forma reflete o olhar do brasileiro diante do espaço interétnico e das formas ainda por explorar da mistura sensorial entre conceito e natureza.
Não posso negar que Frank Gehry é produto de um meio cultural fragmentado e cosmopolita, com um estilo marcado por formas fluidas e inesperadas, associado ao desconstrutivismo, movimento que ganha força nos anos 1980, com raízes em influências como a crítica pós-moderna à estética modernista, pautada na filosofia de Jacques Derrida. Nessa colisão entre cidade e reinvenção constante é que Gehry encontra seu néctar.
Um néctar de natureza exuberante e tensões dialéticas e históricas profundas, onde a linha curva se torna metáfora da passagem de uma identidade que resiste mesmo quando não se explica ou quando encontra apenas uma explicação fugaz. As obras de Gehry utilizam materiais como titânio, aço e vidro para criar superfícies curvas e dinâmicas que permitem a fuga do olhar nômade numa paisagem cosmopolita onde tudo muda constantemente, desafiando a lógica tradicional. Gehry trata a arquitetura como uma escultura que nega a forma permanente e, assim, gera edifícios que relativizam a percepção do espaço urbano com viés desconstrutivista.
Portanto, no casulo modernista, é como se Niemeyer dissesse, com sua expressão séria e triste: "Sou triste, mas quero entregar ao mundo aquilo que me falta." Enquanto Gehry em seu casulo desconstrutivista, ao contrário, sempre parece dizer: "Sou leve, mas enxergo o caos que habita a modernidade." Percebo que a arquitetura de cada um nasce não apenas de suas almas, mas da alma do lugar que os formou.
Contudo, nunca deixo de pensar no que há em comum entre Gehry e Niemeyer. Talvez seja a coragem de transformar o espaço ou a convicção de que a arquitetura não é apenas um abrigo, e sim testemunho. É a casa onde guardamos nossos sonhos, nossas dúvidas, nossos medos e nossas esperanças pautadas pela forma como percebemos o mundo. E, enquanto caminho entre as obras desses dois arquitetos, compreendo que cada curva, cada volume, cada sombra e cada luz é, no fundo, uma forma de dizer que, na arquitetura, a alma encontra um lugar para guardar o seu existir.

