Por Adu Verbis
O Brasil, em 2026, entra em mais um processo eleitoral, e o povo vai ter que escolher novos representantes ou votar nos que já estão no poder. Mas tem uma coisa que sempre causou estranhamento: o fato de que, em praticamente todas as áreas da vida pública e privada, algum tipo de qualificação mínima é exigido, menos, justamente, para quem exerce uma das funções que considero super sensível, que é legislar.
Acompanhe a minha tese e veja o que você pensa sobre. Para dirigir um carro, é preciso passar por provas teóricas e práticas. Para exercer a medicina, exige-se uma formação longa e a validação por conselhos profissionais. Para advogar, é necessário passar pelo exame da OAB. Até mesmo para ocupar cargos técnicos no serviço público, o candidato precisa demonstrar conhecimento por meio de concursos.
No entanto, para tornar-se deputado, senador ou vereador, pessoas responsáveis por criar leis, alterar direitos e moldar o funcionamento do Estado, não é exigido absolutamente nenhum exame de competência mínima, nem mesmo sobre a Constituição do país. Ao legislar, nada é feito do nada. Legislar exige a Constituição como referência do que é possível e do que não é possível, porque a Constituição é a partitura jurídica. Ainda assim, boa parte dos políticos desconhece a Constituição que serve de base para a legislação. Um político, muitas vezes, conhece mais da Bíblia do que da Constituição do país que rege toda uma nação e preserva os direitos dessa mesma nação.
Isso não significa defesa de uma tecnocracia nem negação do princípio democrático. O voto popular continua sendo central. Mas há uma diferença importante entre escolher representantes e aceitar que esses representantes desconheçam os limites legais do próprio cargo. A Constituição não é um detalhe, ela é o fundamento de tudo o que um político pode ou não fazer. Legisladores que não conhecem a Constituição acabam legislando às cegas ou, pior, ficam dependentes de assessores, partidos e coligações, tornando-se, muitas vezes, o que popularmente se chama de políticos de aluguel ou partido de aluguel.
A ausência de um exame para o exercício dos cargos de vereador, deputado e senador abre uma incoerência difícil de ignorar. A própria legislação brasileira já exige que o candidato saiba ler e escrever, sob a justificativa de que isso garante condições mínimas para o exercício da cidadania política. No entanto, saber ler e escrever não garante conhecimento, muito menos compreensão constitucional.
Se o Estado aceita a alfabetização como critério de elegibilidade, parece intelectualmente honesto exigir o passo seguinte: verificar se essa capacidade básica resulta em compreensão real da Constituição. Um exame mínimo de conhecimento constitucional não cria um novo filtro cognitivo nem impõe erudição jurídica. Ele apenas verifica se o candidato compreende o texto que fundamenta, limita e legitima o poder que pretende exercer. Isso também permite que o próprio candidato tenha noção da sua percepção de mundo e reconheça se essa percepção entra em conflito com os princípios constitucionais e democráticos, podendo exercer o cargo com consciência das possíveis contradições entre suas ideias e as cláusulas pétreas do país.
Alguns países já reconhecem, ainda que timidamente, que algum nível de qualificação é necessário. O caso do Butão é ilustrativo. Lá, candidatos ao parlamento precisam atender a critérios educacionais mínimos, como possuir diploma universitário. Não é um exame constitucional formal, mas o princípio é claro: governar exige preparo. A democracia não enfraquece ao reconhecer isso, pelo contrário, fortalece-se quando um político entende que não pode criar leis inconstitucionais. A falta de conhecimento constitucional acaba judicializando a política, pois os órgãos responsáveis por zelar pela Constituição precisam interferir judicialmente para garantir parâmetros constitucionais.
Trazer essa discussão para o Brasil não significa copiar modelos estrangeiros, mas enfrentar uma incoerência interna e o conflito entre os poderes, que se tornou cansativo e repetitivo. Pense comigo, se um motorista precisa conhecer as leis de trânsito pra não colocar vidas em risco, por que um político não precisa demonstrar conhecimento da Constituição antes de propor leis que afetam milhões de pessoas? Se um médico pode ser impedido de exercer a profissão por falta de competência técnica ou por falta de ética médica, por que um político que vai legislar para um pais pode assumir o cargo sem sequer entender e compreender os direitos fundamentais que rege a nação?
Por isso, considero importante a existência de um exame básico de competência constitucional: público, gratuito, objetivo e eliminatório. Um exame assim não serviria para ranquear candidatos nem para excluir grupos sociais, mas para garantir algo muito simples: que qualquer pessoa que ocupe um cargo político estude e saiba minimamente o que pode e o que não pode fazer. Não seria um exame de excelência nem elitista, mas uma forma de alfabetização cívica e política, evitando a criação de leis que distorçam direitos fundamentais ou resultem em aberrações que prejudiquem o país ou determinados grupos que não têm lóbi para lutar a seu favor.
Isso não resolveria todos os problemas da política brasileira. Não acabaria com o fisiologismo, nem com a corrupção, nem com o oportunismo. Mas ajudaria a reduzir a figura do político que apenas repete discursos prontos, vota conforme ordens partidárias, transfere sua responsabilidade constitucional a terceiros e deixa o povo de escanteio. Um político que conhece a Constituição tem mais condições de exercer autonomia, resistir a pressões indevidas, responder ao eleitor com responsabilidade e propor leis alinhadas à Constituição.
No fundo, a pergunta não é se essa proposta seria antidemocrática. A pergunta real é outra: por que tanta exigência de competência em todas as áreas, menos naquela que define as regras de todas as outras? Se a ideia de Estado de Direito for levada a sério, talvez seja hora de admitir que representar o povo também exige conhecimento do que a Constituição diz, para evitar decisões ruins em nome de interesses individuais ou de grupos poderosos.

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